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Quando faremos a passagem?

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Páscoa é passagem, ensina a doutrina cristã, quando nos lembra a passagem da escravidão para a liberdade (a passagem dos judeus pelo Mar Vermelho, rumo à terra prometida) ou a passagem da humanidade, da morte para a nova vida (a ressurreição de Jesus e dos viventes). Por trás de sua beleza poética, a mensagem da Páscoa nos convoca à reflexão sobre o significado de nossa luta permanente por ultrapassar barreiras e desafios em nossas vidas terrenas, tendo como prêmio permanente a libertação de algum tipo de prisão, as asas da liberdade.

Na vida comum, também vivemos como prisioneiros. Algumas dessas prisões são espaços virtuais, que nos constrangem a todos sem discriminar quem, como é evidente quando somos constrangidos por uma das mais cruéis cargas tributárias do planeta, vigiados o tempo todo e obrigados a confessar nossas rendas até o último centavo (este é o mês do imposto!) e abordados pelo Fisco em cada espaço de nossas vidas, desde quando acendemos a luz de casa, passando pelo caixa do supermercado, pela farmácia, na empresa, no holerite do salário mensal (capado quase pela metade pela mais custosa previdência do mundo). Não satisfeito, o Pantagruel estatal agora cogita de um tributo aplicado sobre qualquer transação nossa, quem sabe incidindo até sobre o que se faz a portas fechadas.

A recente virada eleitoral no Brasil nos deu, pela primeira vez, desde a década de 1960, um governo que se denomina liberal na economia. A palavra contém uma promessa forte, mas de difícil cumprimento: fazer da vida brasileira um espaço liberal, com farto oxigênio do progresso, que só as liberdades de iniciativa e de trabalho podem oferecer, sem deixar ninguém para trás. Portanto, seria essa a passagem para uma liberdade longamente sonhada pela sociedade. O desafio é grandioso e não pode ser cobrado, em forma de resultados concretos, antes de um período razoável de amadurecimento das medidas de liberação da economia. O problema é que não temos, para o conserto, o mesmo tempo que foi gasto no aperfeiçoamento da segurança das grades que nos aprisionam há longos anos. É injusto, mas é assim que funciona: a virada, para ser eficaz, precisa vir a cavalo, atropelando as grades e os carcereiros, criando novos espaços e não dando, aos que duvidam e hesitam, tempo para contaminar o ambiente com suas dúvidas e temores. Moisés não hesitou diante do mar Vermelho. Ou avançava ou pereceria, ele e o povo que o seguia.

Mais uma vez, a passagem bíblica nos sugere caminhos para encarar as passagens mundanas. A páscoa dos novos liberais brasileiros, embora convicta, tem sido lenta e cheia de mensagens contraditórias ao povo que escuta e tenta entender seus líderes. Um exemplo banal, mas relevante, está naquilo que melhor representa o caminho futuro da economia, a lei do Orçamento. Em suas novas Diretrizes (LDO), o governo conservador-liberal anunciou uma perspectiva de crescimento da economia que não supera os impasses do passado nem entusiasma pelo tamanho do salto. Algum educado burocrata ficou encarregado de propor um crescimento anual para o País e veio com uma projeção engessada em cerca de 2% ao ano, até 2022. Modéstia ou prudência técnica, pouco importa. Quem governa não pode permitir que o discurso da esperança seja cerceado pelas grades que têm transformado a vida quotidiana do brasileiro num inferno e, o panorama da nossa economia, num pântano. Crescer só 2% ao ano é totalmente contraditório com o discurso de uma reforma previdenciária redentora e trilionária. A nova LDO nos condena a um atoleiro.

Algo ainda não bate bem nessa conta sobre a eficácia das pretendidas reformas, tanto a previdenciária quanto as demais, das quais apenas se ouve falar, embora sem a necessária concretude de ação. Será que nossos profetas de fato creem na redenção do País por meio das reformas pretendidas? Estarão as reformas de fato sendo elaboradas de modo a permitir a passagem do povo, hoje escravizado, até um ambiente de futuras liberdades, a de empreender, a de trabalhar, de poupar, de progredir? Essas são as reflexões pasqualinas que os novos profetas da economia estão devendo ao povo sedento de uma mensagem de luz.

(*) Paulo Rabello de Castro é economista e autor, entre outros, do novo livro REBELDIA E SONHO (Edições de Janeiro, 2018) em que debate os caminhos para o sonho da liberdade com crescimento no nosso País.