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Cadê o trilhão do Tigrão?

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Especialistas que se debruçaram sobre as diversas mudanças que integram a Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) da reforma da Previdência estão encucados. Ou melhor desconfiados. Por mais que sigam as projeções do governo de redução/poupança nos gastos dos diversos regimes previdenciários (o Regime Geral da Previdência Social, dos civis do INSS), do Regime Próprio dos Servidores Civis da União (com o apêndice da reforma dos militares), os ajustes no Benefício de Prestação Continuada (BPC), na aposentadoria rural e nas aposentadorias e pensões, não encontram os caminhos que apontam o R$ 1 trilhão apontado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a ser economizado nos próximos 10 anos.

Econometristas e matemáticos de renome, como Manuel Jeremias Leite Caldas, que assessorava o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, chegaram à conclusão de que as projeções de Guedes levam em conta uma perspectiva para lá de otimista em relação ao desempenho futuro da economia, com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na faixa de 3% a 5% ao ano, a partir de 2021.

O crescimento da economia é a chave, nos planos de Guedes, para o reforço da arrecadação previdenciária, com a formalização de milhões de vagas hoje informais e a retirada da fila do desemprego por quase metade dos atuais 13 milhões de desempregados. Manuel Jeremias calculou que as estimativas do governo embutidas na PEC 6/2019 implicam na formalização de mais de 8 milhões de trabalhadores no período de dez anos.

Isso iria requerer crescimento do PIB entre 3% e 5%. As estimativas do Insper (think tank de economia e políticas públicas de São Paulo) são de que o PIB tem fôlego para crescer na faixa de 1% a 3% ao ano no período. Com crescimento de apenas 1%, que repetiria a média dos últimos 10 anos (0,9% ao ano), a pior dos últimos 60 anos do país, o rombo da Previdência iria aumentar, apesar da reforma, em diversas faixas. O Insper considerava (antes das revisões desta semana) mais provável um crescimento médio de 2% ao ano.

Acontece que o PIB queimou a largada em 2019. Há um ano, o mercado financeiro previa que o PIB de 2019 iria crescer entre 2,6% e 3%. A greve dos caminhoneiros atropelou as expectativas para 2018 (PIB de apenas 1,3%) e afetou o efeito de carregamento para 2019. Esta semana, o Itaú, maior banco do país, reduziu sua previsão para 1,3%. Chegou a 3% no ano passado. E o Bradesco baixou a previsão para 1,9% (era de 2,8%, baixou para 2,5% em setembro). Com o baixo crescimento de 2019, o ano de 2020 também tende a desacelerar frente às projeções anteriores. O Itaú estava prevendo, em fins de 2018, 2% de aumento do PIB para 2019 e de 2,9% para 2020. Na sexta-feira, baixou as projeções para 1,3% e 2,5%, arriscando alta de 2,8% para 2021. Uma média na faixa de 2,2% a 2,3% ao ano (como o Insper).

O senador José Serra (PSDB-SP), que é chegado a números, com a experiência de ter sido ministro do Planejamento de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro mandato (depois passou para a pasta da Saúde, onde via suas verbas sendo engolidas pelos rombos da Previdência, pediu a Paulo Guedes o detalhamento de cada fonte de despesa e/ou economia gerada pela PEC 6/2019. Como o pedido foi feito no começo da semana passada, o ministro da Economia tem pouco mais de três semanas (com o feriadão da Páscoa no meio) para apresentar projeções já levando em conta que o PIB de 2019 vai solar.

Uma das charges mais engraçadas que vi ao longo de meus 47 anos de cobertura da economia brasileira foi feita por Nani, em O Pasquim. Delfim Neto era o czar inconteste da economia, amparado pelo “milagre brasileiro” e o tacão do A1-5 que não deixava a imprensa escrever livremente sobre os problemas da economia, como a crônica má distribuição de renda, herança do fim da escravidão sem que os negros tivessem antes ou depois (como os colonos italianos, alemães, espanhóis, suíços e japoneses que vieram ao Brasil com as famílias e técnicas agrícolas de mais de dois mil anos) acesso à terra e à educação.

Às críticas, Delfim respondia que era “preciso deixar o bolo [do PIB] crescer para depois distribuiu”. A charge retratava Delfim de mestre cuca, com o tradicional chapéu branco, explicando candidamente para uma família de famintos de olho comprido no bolo que estava no forno. “Solou...” O termo usado para a reforma de R$ 1,2 trilhão, na proposta original, que perdeu R$ 85 milhões na reformulação de planos e salários dos militares, é de que ela não poderia desidratar abaixo de R$ 1 trilhão.

Resta aguardar se a receita vai solar sou desidratar.