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Quantos foram os Cem Dias?

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No exercício do poder político, o relógio do tempo marcha em ritmo diferente do nosso. Quanto mais o governante realiza, mais devagar o tempo passa porque, nesse caso, o gestor de sucesso acumula poder e reconhecimento. Ao contrário, quanto mais o governante falha, por inércia ou equívocos de gestão, mais exposto fica ao relógio do tempo político cujos ponteiros se aceleram. Nesse sentido, os primeiros cem dias do governo Bolsonaro já lhe custaram o triplo do tempo. Pelo relógio político, já estamos no final de 2019. Os primeiros cem dias valeram o desgaste de 300. E, pelo ângulo da gestão, os mesmos 100 dias não passaram de 20. Quais os sintomas disso?

Na economia, o mercado sinaliza agora um PIB bem menor do que na partida do governo. Mais um “pibinho” está a caminho, apesar da ótima safra de grãos . A questão central não foi atacada: o enorme déficit fiscal e a anemia profunda de investimentos. Na política, o governo vai trocando seus principais auxiliares como quem troca de camisa. Mudanças desse tipo só ocorrem após o primeiro ano de governo. Mas aqui o relógio político disparou, como se já estivéssemos em 2020. O próximo ano é eleitoral. A gestão Bolsonaro será avaliada pela população. Se não passar no teste, pouco tempo lhe restará, a partir daí.

Por enquanto, o placar aponta um resultado parcial sem gols. Há bons ministros no elenco de Bolsonaro. O curioso é que parecem viver em luas apartadas. Não se tem deles a impressão de fazerem parte de um “coletivo de governo”. Ficaram sem respaldo congressual as iniciativas de Sergio Moro e seu projeto anticorrupção. Moro parece desligado do tema do crime comum, da violência de rua, da delinquência juvenil, responsável por metade dos 63 mil homicídios do nosso violento país. A população já percebeu, desapontada, que o gesto eleitoral de apontar a arma contra o crime é pura miragem de solução diante do desafio homérico de apoiar governadores e prefeitos na batalha diária contra todos os tipos de violência.

Na economia, noventa por cento das energias e atenções continuam voltadas para outra miragem: a reforma da previdência. O projeto, enquanto reforma do sistema velho, até que vai na boa direção. Mas está longe de mostrar como fará a economia de um trilhão de reais em dez anos. O mercado se apega nessa reza forte mas sem qualquer base em dados. Aliás, projeções mostram que os futuros empregos formais com carteiras assinadas estão aquém do que o governo calcula. Se aprovada, esta reforma propiciará maior desmotivação para o povão aderir ao “novo" INSS. O povo faz contas e, desde já, percebe que sairá contribuindo mais para receber menos na aposentadoria. Logo, milhões de pessoas vão preferir não participar. Previdência é serviço prestado. Tem que ser desenhada para atrair as pessoas, e não para assustá-las.

O presidente tem noção de que o projeto contém falhas graves, mas o Congresso precisa corrigir isso antes que seja tarde. O país vive, mais uma vez, a ilusão dos passes de mágica do governante de plantão, como foi o plano Cruzado, o Fome Zero, o PAC dos investimentos, a promessa de energia barata e o teto de gastos. Houve, no entanto, acertos e realizações em 100 dias? Seria injusto dizer que não. Mas há ministros (alguns poucos) que, nesses cem dias, falaram e posaram na mídia pelo equivalente a mil dias. A relação entre palavras e ações está totalmente desequilibrada. O governo entrou em campo sem plano para atuar em cada segmento. Delegou a ministros igualmente despreparados. E passados três meses, continua em busca de anúncios de efeito midiático.

Parece que a maioria dos auxiliares do presidente participa de um mero treino de governo. A falta de autoridade por parte de quem deveria tê-la enseja a macabra aparição de indigitados “gurus" e de supostas “tribos” de influência sobre o presidente, incluindo família e agregados. Nada disso contribui para melhorar a condição de sucesso da equipe posta em campo.

Os primeiros cem dias renderam 20 em resultados mas esbanjaram equivalentes 300 em energias. Não é boa receita ter o destino de uma nação inteira atrelado a figurinhas expatriadas ou a postos de gasolina.

(*) Paulo Rabello é economista e escreve regularmente neste veículo. [email protected]