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O país precisa de reforma financeira?

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O governo está concentrado no esforço de apresentar e defender a rápida tramitação de uma reforma previdenciária. Não há como negar o interesse social de o país passar a tratar os participantes dos seus vários regimes previdenciários de maneira mais igualitária. Hoje, quem mais usufrui de benefícios de gordas aposentadorias e pensões está longe de ser quem mais contribuiu. Milhões pagam INSS a vida inteira enquanto uns poucos capturam a fatia do leão dos recursos da bilionária conta dos inativos do país. 

Será que a injustiça previdenciária se reproduz em outros campos da economia? Claro que sim. Estamos cercados de tratamentos desiguais para situações iguais, que aprofundam o impasse econômico e acentuam as disparidades sociais do Brasil. Dou um exemplo pouco notado, na área financeira e, em especial, no segmento da poupança e dos débitos públicos, onde o cidadão é o credor do Estado e sofre por não saber se vai conseguir receber o que lhe é devido, e se receber, não tem certeza se será lesado no valor justo do seu crédito. Refiro-me a todos os contratos em que a TR, taxa referencial criada em 1991, incide de uma forma ou de outra. Quem é remunerado por TR? É o pequeno poupador, que aplica em cadernetas de poupança, até por falta de alternativas, num mercado financeiro pobre em opções boas e fáceis de investimento; é também o credor de fundos sociais, como o FGTS, aliás somos milhões de trabalhadores que temos uma ou várias contas de depósito em TR. 

O que significa ser remunerado pela TR hoje? Simples e direto: é receber juro ZERO. Mas como? Estranho mas verdadeiro. Ao longo dos anos, o fato de ser o Banco Central quem sempre definiu, por uma fórmula, o valor mensal da TR, isso acabou dando ao governo o poder de ir “podando” o valor obtido nesse cálculo, até chegar ao zero. O próprio Congresso criou o monstro, ao autorizar a arbitrária manipulação da TR na tal lei da “desindexação” da economia, de 1991, quando o malfadado Plano Collor estava nos seus estertores. Quem pegar a tabela da TR nos meses recentes vai perceber, escandalizado, que o valor é zero desde setembro de 2017. Se perguntar qual foi a TR acumulada no ano de 2018, a resposta é fácil: zero. Se o poupador brasileiro recebe zero de remuneração básica, onde está seu incentivo para poupar? E qual a lógica de um indicador que aponta zero como a remuneração pelos recursos da poupança do trabalhador? 

Essa gritante injustiça requer uma reforma financeira completa, tão relevante e urgente quanto a previdenciária. Os temas, aliás, pertencem ao mesmo escaninho da (má) formação e proteção da poupança popular. Mas se quiserem ficar mais escandalizados, é só acompanhar o que rola no momento no Supremo, que terá que decidir, mais uma vez, nos próximos dias, se a estranha TR é uma correção monetária válida para atualizar débitos públicos, onde os particulares são a parte credora. Óbvio que a TR não é, nem nunca foi, correção de nada, muito menos indicador de inflação. Para isso existe o IPCA, publicado pelo IBGE. Mas o pedido ao Supremo vem envolvido numa roupagem de “ajuda” aos estados muito endividados, de fato uns poucos, no meio dos 27 da Federação. Sim, algo precisa ser feito por eles, mas nunca atropelando a lógica para colocar milhões de pequenos credores do Estado a ver seus créditos minguando pelo uso indevido da TR como reposição inflacionária. O STF já se pronunciou várias vezes para afastar tal aberração do bom senso; contudo, a insegurança jurídica persiste e pode se agravar se, por uma inoportuna inclinação de “bondade”, os magistrados resolverem acudir meia dúzia de governos mal geridos à custa de milhões de escravos da TR zerada. Esse é o Brasil que precisa de reformas, urgentes, e de alto a baixo. 

(*) Paulo Rabello de Castro é economista e autor do best seller O Mito do Governo Grátis. Presidiu o IBGE e o BNDES. Foi presidente do Instituto Atlântico e da Academia Internacional de Direito e Economia.