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Políticas públicas, direito e justiça

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O bizarro governo do "Presidente Primário da Marcha a Ré Publica", capitão e deputado aposentado (com polpuda remuneração) Jair Bolsonaro, não é a única expressão política do Brasil, como o vídeo pornô que Sua Excelência divulgou para o mundo não é a face mais relevante do nosso Carnaval. Ainda bem!

Há políticas públicas sendo gestadas fora dos governos, embora eles sejam essenciais para sua implementação. Um exemplo é a Campanha da Fraternidade (CF), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que está sendo desenvolvida no período que vai da Quarta-feira de Cinzas ao domingo de Páscoa. Ela, que acontece desde 1964, exorta as comunidades católicas a vivenciarem uma consciência política solidária.

A deste ano tem como tema "Fraternidade e Políticas Públicas", e como lema a palavra do profeta Isaías: "serás libertado pelo direito e pela justiça"(1, 27). Há um texto-base que orienta os debates sobre o tema. Ali está explicado, didaticamente, o que são as políticas públicas: "ações de governo ou do Estado discutidas, decididas, programadas e executadas em favor de todos, em especial as pessoas que são empurradas para as margens e até excluídas". As políticas públicas mais permanentes são as ligadas à educação, saúde, segurança, saneamento básico e ecologia, diz a CNBB.

A campanha é bem oportuna, pois o projeto do governo federal e de muitos governos estaduais hoje, comprometidos com o ultraliberalismo, é apequenar a agenda pública e apostar todas as fichas na iniciativa empresarial. É a trilogia do estado mínimo privatismo máximo precarização de direitos.

Nunca, nos últimos 30 anos de nossa história, os direitos dos trabalhadores, dos povos nativos, dos negros, das mulheres, dos idosos, das crianças e dos LGBTI estiveram tão ameaçados. Ministros sinistros do governo central não escondem sua "cruzada" contra os direitos dos pobres, o meio ambiente, a liberdade de escolha e de afeto.

Tempos de distopia: o que se propaga, até por parte de autoridades, é o ódio (houve quem comemorasse a morte do pequeno Arthur, de sete anos, por ser neto de Lula!), o preconceito, a truculência. Nenhum apreço pela fraternidade humana, nenhuma crença na igualdade social.

Parece que regredimos ao século XVII, quando frei Vicente do Salvador, em sua obra História do Brazil (com z mesmo), escreveu: "nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular".

Também por este aspecto mais cultural, de usos e costumes, a Campanha da Fraternidade é fundamental. Para a CNBB, os cristãos têm o dever evangélico de participar da vida em sociedade e, por consequência, das políticas públicas voltadas para o bem comum. Os discípulos de um homem preso, torturado e condenado à morte pelo poder político do Império Romano e pelo poder religioso dominante em Israel não podem ser alheios à política e insensíveis ao interesse público.

A CF-2019, inspirada pelo Papa Francisco, questiona o status quo: "a convivência, o Reino de Deus, um novo modelo de sociedade, diferente do modelo neoliberal dominante, inclui mudanças radicais na concepção do trabalho e do lazer, da educação e da cultura, dos impostos e das responsabilidades sociais dos cidadãos. Uma nova sociedade não acontece por meio de leis e decretos, mas com a participação de todas as pessoas".

Na perspectiva cristã - como de toda visão religiosa autêntica - qualquer mudança reclamada na (des)ordem social implica também em mudança pessoal, metanoia, que quer dizer conversão. Temos que ser, aqui e agora, tudo o que queremos ver no mundo. Ao lembrarmos o direito e a justiça anunciados por Isaías, comprometemo-nos a agir com retidão e solidariedade em todos os espaços de convivência.

PS: Dedico esta coluna ao Alfredinho do Bip Bip, cuja vida foi uma permanente Campanha da Fraternidade.