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Presidência e ordem do dia

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O presidente Jair Bolsonaro teve carreira militar, interrompida em 1988 quando iria atingir o posto de capitão. Podia ter galgado à função de major, tenente-coronel, coronel, general de brigada, general de divisão e até general de Exército. Nas forças armadas limitou-se a agir e pensar segundo as instruções de seus superiores e às orientações gerais da Ordem do Dia. Para o militar, como gosta de repetir, o presidente, "missão dada, é missão cumprida".

Nos escalões superiores das três armas, os oficiais passam pelas escolas de comando. Ao ficar na hierarquia que cumpre ordens, a visão do capitão, que virou porta-voz da tropa ao escrever, em 1986, artigo para a revista "Veja"apontando os baixos soldos como motivo de evasão dos cadetes formados na Aman, ficou limitada. Jair Messias Bolsonaro não participou de discussões mais amplas que levam os generais de quatro estrelas a tomar decisões complexas.

Com o desconto necessário e generoso (à parte sua opção extremista de direita) aí residiria a dificuldade presidencial de compreender o jogo democrático, mesmo tendo exercido por sete vezes o mandato de deputado federal pelo RJ, desde 1990. Sua passagem por nove diferentes partidos (sendo três vezes pelo PP) traduz dificuldade em dialogar. O ímpeto de capitão fala sempre mais alto que a matreirice dos políticos, escola maior de Minas Gerais. O presidente da República não é um comandante de tropa. As urnas, o elegeram presidente da República, com 55,13% dos votos válidos, até 31 de dezembro de 2021.

As trapalhadas no Carnaval e nesta semana, traduzem sua falta de experiência e transigência em negociações. Ao inaugurar o que pretende ser uma comunicação direta semanal, às quintas-feiras, às 18:30, nas redes sociais, com sinal aberto às tevês, rádios e demais meios de comunicação, teve de recorrer ao experiente general Heleno Pereira, do Gabinete de Segurança Institucional, para traduzir o significado de sua fala de que "A democracia só existe por concessão das Forças Armadas".

Na ditadura militar, que mais de metade dos brasileiros não conheceu, mas existiu e não há como negar - assim como a chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1969, que assisti num telão no MAM, mas que muitos ainda negam - havia a tradicional Ordem do Dia nas três forças. Lidas com as tropas perfiladas, nas redações eram submetidas à exegesse do editor de política. Antes da chegada de Elio Gaspari, para comandar a editoria de política e o Informe JB, em fins de 1973, o Jornal do Brasil tinha uma editoria chamada jocosamente de Pedame (Política e demais assuntos militares e eclesiásticos).

Sim, na época em que o Congresso e o Judiciário só funcionavam pro forma porque as forças armadas queriam dar um ar de 'democracia relativa', a Igreja era importante e havia especialistas para traduzir o significado de "inimigo solerte", "soez", "vivandeiras que rondam os bivaques"e outras expressões castrenses. Podiam emitir sinais de mais endurecimento (período Costa e Silva e Médici) ou distensão (período Geisel e Figueiredo).

Na distensão, Geisel, que enfrentou três rebeliões de generais (uma da quais do próprio ministro do Exército) quis abrir dois novos canais de televisão a órgãos de imprensa mais comprometidos com a abertura (JB, Abril e Estadão disputariam), para neutralizar a linha dura apoiada pela Rede Globo. Roberto Marinho reclamou que seria "entregar o ouro ao bandido". Vejam as voltas que o mundo dá: a mesma frase que o presidente disse ao ex-ministro Gustavo Bebiano, para desautorizar a ida de representante da emissora ao Planalto...

Os canais saíram, no governo Figueiredo, para Silvio Santos e o Grupo Bloch, dóceis ao poder. Silvio Santos criou um quadro dominical "A Semana do Presidente" para divulgar as ações de Figueiredo, que queria ser popular. Delfim Neto, na Agricultura, prometeu "encher a panela do povo." O sonho de popularidade ruiu na "Novembrada", (ver curta de Eduardo Paredes sobre as manifestações contra Figueiredo, na Praça 15 de Novembro, em Florianópolis). A um xingamento de FDP, o general desceu à rua para tomar satisfações. Houve briga generalizada e o ministro de Minas e Energia, o cearense Cesar Cals, levou um tapão na orelha. Acabou ali o ensaio populista do último governo militar.

Hoje, as brigas são pelas redes sociais. É sempre melhor a paz a a conciliação.

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coisa | política