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Dois polos que cercam a política

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Chega o momento em que o homem no comando dos poderes é levado a admitir que muito do que desejou e prometeu submerge ante forças e circunstâncias colocadas em seu caminho. Muitas vezes quer, mas não pode. Bolsonaro e muitos governadores, mesmo empossados apenas há dois meses, poucos dias que são nada frente a mandatos de quatro anos, já devem perceber como haverão de se submeter aos costumes políticos, na maioria das vezes para substituir o ânimo da vitória nas urnas pelas decepções e constrangimentos. Tanto é verdade, que os que chegam ao fim do mandato dizendo-se realizados, com a missão cumprida, estão corrompendo a verdade, porque o jogo não garante placar feliz.

O caso do atual presidente: propusera a montagem de um governo imune a influências discrepantes de um projeto definido como inovador, acima dos velhos vícios; mas, na hora em que é chamado a dar garantia aos seus planos, como agora, vê-se na contingência das concessões, arregimentado novos e velhos profissionais, afamados especialistas em governabilidade. Está diante de uma realidade da qual não escaparam antecessores, entre os quais os adversários de orientação esquerdista, que coonestaram altos escalões da direita. O jogo é esse e a ele todos sucumbem, mesmo arrostando mudanças.

Inútil tentar encontrar na história republicana, recente ou pretérita, um presidente ou mesmo um primeiro-ministro, na brevíssima existência do parlamentarismo, que não se visse capitulado em suas convicções e compromissos filosóficos, para comprometer a governabilidade, principalmente em quadras delicadas. Não foi diferente o que haveria de se dar na engenharia transicional que Tancredo Neves organizou em 85, quando era preciso tudo tolerar, em nome da retomada do poder aos civis. Sabia ele, e não negou, que muito daquilo não era o ideal. Mas concedeu.

Um famoso psiquiatra americano, acostumado a conviver com os políticos, e sobre eles promoveu cuidadosas pesquisas, desenvolveu tese interessante. E dela se valeriam muitos outros na tentativa de explicar a distância entre o que os governantes desejam e o que realmente conseguem efetivar, sem que não tenham de se curvar. Doutor Pieczenit atentou para o fato de, no choque entre o sonhado e o possível, instalar-se um grande abismo. Esse abismo - o presidente Bolsonaro em breve perceberá - é o que consegue levar a inibições, e, a partir destas, à queda num mundo de frustrações. Tão certo, que, geralmente quando se afastam da vida pública, e começam a preparar memórias, os estadistas sentem-se mais à vontade para confessar o que não foi possível. Muitos, nos derradeiros capítulos, depõem sobre o mal das pressões e dos interesses, que cruzaram seus caminhos. E cederam.

Querer e poder

Esta é uma constatação que há muito vem se confirmando, antes de o bolsonarismo surgir como novidade. E tão a sério levada, a ponto de inspirar o pensador alemão Max Weber a desenvolver conhecida reflexão sobre a ética da responsabilidade e a ética da convicção. Quer dizer, aquilo que se pretende e o que é realizável quando se frequenta o poder; como, certo dia, explicaria Aloizio Mercadante, então da bancada do PT no Senado: "Fomos cobrados que o nosso discurso na oposição não é o mesmo que temos no governo". A explicação é weberiana. "A História nos coloca a necessidade de assumirmos a responsabilidade de governo". A palavra é uma coisa, a obra é outra.

Foi também por considerar fundamental essa diferença, que outro senador, Artur da Távola, com tempo para conhecer muitos presidentes, antes de Bolsonaro, chamava atenção para um aspecto muito difícil vivido pelos governantes, condenados a conviver com dois polos éticos, o do pensamento e o do possível; ambos capazes de gerar distância abismal entre vontade de fazer e o que não atingível, frente à realidade do país. Polos que vagueiam, eterna e simultaneamente, entre o que se pensa e o que não consegue ser real.

"Promessa de campanha compromete quem as ouve, não a quem as faz"

Presidente Charles De Gaulle