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"Capim e babaca nascem em qualquer lugar"

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Semana passada, com a preciosa ajuda do amigo Cleber Negão, a quem recorro mais uma vez hoje, tratei da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro. Mostrei a inconsistência das contas que apontavam o rombo, justificativa para mudar as regras e arrochar mais os trabalhadores. Lembrei que os defensores da reforma não computavam todas as receitas previstas na Constituição para a Seguridade Social: listavam, de um lado, as despesas totais do sistema e, de outro, só as contribuições de patrões e empregados, deixando de fora as receitas criadas em 1988 (Cofins, CSLL e parte das loterias), quando a Previdência incorporou os trabalhadores rurais.

Esse truque começou no governo FHC e foi mantido por Lula, Dilma e Temer.

A Previdência era superavitária até 2016, como constatou a CPI do Senado, presidida por Paulo Paim (PT-RS). Seu relatório final foi aprovado por unanimidade em outubro de 2017. Aponta inconsistência nos dados fornecidos pelo Executivo e diz que "eles desenham um futuro aterrorizante e totalmente inverossímil". Entre suas recomendações estão a criação de mecanismos de combate a fraudes, mais rigor na cobrança de grandes devedores e o fim do desvio de recursos da Seguridade Social para outros fins. Coisas óbvias.

A CPI mostrou até a viabilidade de um aumento para R$ 9.370 do teto dos benefícios, hoje de R$ 5.531. (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/25/cpi-da-previdencia-aprova-relatorio-final-por-unanimidade)

O objetivo com a atual proposta de reforma não é a busca de equilíbrio fiscal. Até porque seus defensores aprovaram desonerações tributárias, perdões bilionários de dívidas de grandes corporações e a reforma trabalhista, que reduz a contribuição de trabalhadores e empregadores. O objetivo da reforma é outro: transferir ao sistema financeiro, via regime de capitalização, a parte mais suculenta do sistema previdenciário, hoje com o Estado.

A partir de 2016, as desonerações - mais a leniência na cobrança de grandes devedores e a recessão provocada por políticas neoliberais - descapitalizaram a Previdência. Mas, ainda assim, cabe falar em déficit?

O artigo 195 da Constituição diz: "A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das contribuições sociais".

Isso significa que, caso as contribuições sociais sejam insuficientes para cobrir os gastos, recursos adicionais devem vir do Orçamento da União. Portanto, tecnicamente, não se pode falar em déficit, pois a União teria que atender a direitos constitucionalmente garantidos.

Mas vamos às desonerações. Elas são escabrosas:

A MP 795/2017, aprovada em 13/12/2017 no Congresso, reduz tributos de multinacionais como Exxon Mobil, Petrogal, Statoil, Total, PBEnergy, Repsol Sinopec, CNODC, CNOOC, QPI e Shell, a pretexto de estímulo para a participação nas licitações do pré-sal. E permite a importação de equipamentos, navios, plataformas e todos os insumos com isenção fiscal. Seria preciso esse presente para turbinar os leilões?

Para 2018, a previsão de renúncia de receita é de R$ 17 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. Já a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, que usa outra metodologia, diz que a perda é de R$40 bilhões/ano. Em 25 anos significaria renúncia de R$ 1 trilhão. O nome disso é transferência de renda do Estado para multinacionais. Por isso, por favor, não se pode falar em busca do equilíbrio fiscal com a reforma da Previdência.

Pois bem, Bolsonaro espera contar com os governadores para mobilizar as bancadas de seus estados e aprovar essa reforma da Previdência. Enquanto isso, há governadores se aposentando com R$ 30 mil por mês depois de dois mandatos.

Recorro, mais uma vez, à sabedoria do meu amigo Cleber Negão: "Estão ferrando os pobres e tem gente que não vê. Fazer o quê? Capim e babaca nascem em qualquer lugar."