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A arte de planejar

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Quando chega o momento de arrancar os planejamentos dos relatórios e dos diagramas e fazê-los entrar no terreno da concreção, em geral os governos se sentem tomados pelo pânico; porque se planeja com os sonhos, e quando deles se quer despertar, o país vê como é grande a distância entre o ideal e o não realizável.

Esse salto imenso tem uma história político-administrativa de fracassos e descréditos, porque, avaliado o que se desejou fazer, muita coisa acaba condenada a morrer no papel. Não falta quem veja nisso uma certa vocação nacional a frequentemente apelar ao improviso, como o caminho mais seguro para fazer com que se obtenha algum êxito. Isso é antigo na crônica carioca.

Citado por Tristão de Ataíde, o Cardeal Sebastião Leme, que passou a vida abençoando este Rio de Janeiro, teria desabafado, certa vez: “é preciso notar que no Brasil só saem bem feitas as coisas improvisadas. Tudo muito planejado acaba mal”…

Há expectativa sobre como o governo Bolsonaro pretende se comportar em relação a esse problema. Porque ainda é pouco o que dele se conhece sobre a arte de planejar, isto é, fazer com que as obras e as ideias saiam dos mapas de rascunho, das cartolinas e do palanque, e viajem para o finalmente.

Sem pretender isentar os governos, atual e anteriores quanto às responsabilidades nesse particular, quando se dão por contentes em vagar sobre números e relatórios improdutivos, é forçoso aceitar que nossas deficiências nesse campo realmente comportam um certo cacoete cultural.

Desde jovens estamos chamados a aprender que há coisas que nascem e naturalmente são destinadas ao abandono, por maior que seja o prejuízo coletivo. Ensinaram-nos que há leis que pegam e outras que não pegam. Mas, quanto aos planos elaborados pelo governo é preciso recusar e condenar esse velho defeito. O que é indispensável tem de sair do papel.

Choque com o real

Essa vocação por estudar, programar e depois esquecer, tem sido o fácil caminho que o país trilha para perder muito tempo e dinheiro. Percebe-se que os governos, quase sem exceções, pecam ao permitir que tal defeito progrida. Foi o que levou Pandiá Calógeras a sentenciar, sem medo de errar: a lei fundamental da História brasileira é o paralelismo entre a lei e o fato. Há o fato e a lei. O Brasil legal e o Brasil de fato. Por isso, sempre houve uma grande diferença entre o que se planeja e o que é realmente para ser concretizado.

Há um dado, mais inspirado que qualquer outro, para ilustrar o tradicional desinteresse nacional pelos programas planejadores, frequentemente renovado, e com a mesma frequência deixado de lado. Trata-se do indicativo incontestável de que os índices da pobreza têm intimidade com a proliferação de famílias mais numerosas.

Pois, com base em tal realidade, insistiu-se, ainda que sob a resistência de setores religiosos, na necessidade do planejamento familiar. Como ensinar aos carentes a não terem os filhos que não querem ou não devem ter. Ocorre que se construiu uma enorme confusão entre o planejamento voluntário e o compulsório; e não mais se falou no assunto.

Esse foi um mal. Outro está em muitos setores governamentais, desde a União até estados e municípios, que passam meses e anos delirando em elucubrações, sabendo que chegarão, em paz e descansados, a nenhum lugar. Pratica-se também o expediente de elaborar estudos para transferi-los aos sucessores; mas estes têm ideias próprias e não apreciam o que outros pensaram.

Dá-se, então, a rotina de relegar o que se propôs, para, depois, voltar ao mesmo. Constatando isso, Evaristo de Miranda usou sua verve para dizer que gostaria muito de trabalhar em alguma estatal de planejamento. ”A razão é simples: lá você planeja o que não executa, e depois avalia o que não fez”…

“Planejar tudo é essencial para a paz: começa sempre no pão e no amor”

(Josué de Castro)