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As lições do meio ambiente

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Se o presidente Jair Bolsonaro já tinha sentido, no Fórum Mundial de Davos, que a questão do meio ambiente é tema que preocupa mandatários de todo o mundo (salvo Donald Trump) e os executivos das principais corporações empresariais e financeiras, o rompimento das três barragens da Mina Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG), pode ter funcionado como um choque de realidade para a volta ao solo brasileiro. Que assim seja.

A rigor, a Mina Feijão, que produziu 26,3 milhões de toneladas de minério de ferro em 2018, ou só 7% dos 366,5 milhões produzidos pela Vale, uma das três gigantes da mineração mundial, é pouco relevante. Mas, se só a repercussão do acidente, divulgado em breve e lacônico comunicado pela própria Vale, sem avançar na extensão dos danos, chegou a derrubar até quase 17% as cotações dos ADRs negociados ontem em Nova Iorque, dia em que a Bovespa não operou devido ao feriado de São Paulo (depois houve reação e a queda fiou em 9,76%), pode-se imaginar o estrago na imagem do Brasil se o acidente tiver 25% dos efeitos de Mariana, que afetaram parte de Minas e Espírito Santo.

O rio Paraopebas, atingido pelas águas das barragens rompidas, corta uma área onde vivem seis milhões de habitantes, incluindo a região da Grande Belo Horizonte, que depende do abastecimento de água do Rio, através da Copasa, a estatal do estado, que terá de fazer adaptações na captação. Usinas de Furnas e da Cemig, que ontem chegou a cortar o abastecimento de energia, também podem ser afetadas. Os estragos materiais foram grandes para a própria Vale, com perdas de máquinas e instalações. Não se sabe o total de vítimas, sobretudo nas áreas administrativa e operacional. E na população.

O rompimento da barragem de Mariana, da Samarco, empresa compartilhada entre a Vale e a australiana BHP, as duas maiores produtoras de minério de ferro do mundo, matou 19 pessoas e causou devastação sem precedentes ao longo do vale do Rio Doce até o litoral do Espírito Santo.

Vale lembrar que o nome poético, assumido pela antiga Itabira Iron Mining do americano Percifal Farqas, quando foi estatizada por Getúlio Vargas, em 1942, atendendo à campanha nacionalista de Arthur Bernardes, magoado com a escolha de Volta Redonda (RJ) para sede da primeira siderúrgica brasileira, foi deixado de lado com a privatização.

Romantismo e ingenuidade, dirão os pragmáticos. Mas não só o nome era bem mais bonito (ainda que de difícil pronúncia para os gringos). Se há uma Rio Tinto Zinc, a terceira mineradora do mundo, por que não poderia continuar uma Companhia Vale do Rio Doce? A questão prática é que uma atividade de risco como a mineração (ou a exploração de petróleo&gás) não pode estar dissociada dos amplos cuidados com a preservação do meio ambiente.

Há que se tomar redobrados cuidados para a atividade não causar danos colaterais. No terceiro milênio não é mais admissível minerar como faziam os pioneiros ianques na corrida do ouro na Califórnia, cenário dos filmes de faroeste. Nos tempos atuais, com uso de pesadas máquinas e moto-bombas em profusão, os estragos são bem maiores e sem volta.

O mercúrio, material usado para separar o ouro nos pequenos e médios garimpos que se multiplicaram pela Amazônia desde que Serra Pelada fechou, no último governo militar, do general João Batista Figueiredo (1979-85) que polui os rios, não só mata a fauna (os peixes são a base da alimentação dos ribeirinhos), como impede o acesso à água de centenas de comunidades da Amazônia. Esta é uma ameaça bem maior e mais grave que a hipotética tríplice A, aventada pelo candidato na campanha eleitoral.

Por isso, quando hoje for tomar pé da situação, in loco ao sobrevoar a região e descer em alguns dos pontos mais afetados pelo rompimento das três barragens, tendo os estragos já sido contabilizados, ainda que preliminarmente, por seus ministros das Minas e Energia, Bento Albuquerque, Meio Ambiente, Ricardo Salles, e Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, o presidente terá motivos para mudar sua visão sobre desenvolvimento e meio ambiente.

Nas operações de guerra, nem sempre os manuais e crenças resistem ao choque da realidade.