ASSINE
search button

Armas em punho

Compartilhar

A indagação prospera, em meio a uma profusão de dúvidas. A disseminação de armas de fogo nas mãos de bons cidadãos, por mais aceitável que seja a intenção, poderia conter o crime e converter criminosos? Ou eles se sentiriam respaldados, vendo suas vítimas igualmente municiadas? Que dúvida!

Mas, seja para o bem ou para o mal, se não houver mudança de rumo, e se em nada for alterada na agenda da Casa Civil, amanhã ou depois será divulgado o texto do decreto que pretende flexibilizar a posse de armas. É a mais popular entre as promessas do presidente Bolsonaro; tanto assim, que seu gesto para saudar os apoiadores foi a imitação de uma metralhadora em punho.

Em recente entrevista televisada, o ministro Onix deixou claro que governo quer ser ligeiro, como resposta à violência urbana crescente e fora de controle. Não se podendo negar que o tema é dos mais polêmicos, bastaria isto para recomendar o aprofundamento dos debates, já agora distantes os palanques e o calor eleitoral. Portanto, menos pressa por parte do governo.

A posse consiste em possuir uma arma de fogo no interior da residência ou no local de trabalho, se aí o portador for titular legal do estabelecimento. É permitida a qualquer cidadão que esteja capacitado, de acordo com requisitos estabelecidos pelo Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826/2003, que deriva de projeto 292, de autoria de Gérson Camata, em vigência desde o dia seguinte à sanção do então presidente, Lula da Silva, em dezembro de 2003. Por ironia do destino, o ex-senador Camata foi assassinado há dias, 15 anos após a lei, por arma de fogo disparada não por um bandido, mas um desafeto de suas relações.

Discussão longa

Estamos diante de uma longa discussão. O manuseio de armas é motivado em diversos pontos que dizem respeito à expressão da liberdade, ao direito a proteger-se de maneira eficaz; ao mesmo tempo em que fomenta análises sobre morte, criminalidade e acidentes. No Brasil, ampliou-se, a partir de 2015, o debate a respeito de uma legislação nova que pudesse diminuir a rigidez imposta pelo chamado Estatuto de Desarmamento.

A última eleição reavivou discussões em torno de temas de interesse da defesa da sociedade, dentre eles o uso de armas como forma de o cidadão enfrentar a escalada de violência. A criminalidade violenta – sobretudo contra a vida – alcançou a dolorosa marca de 63.000 homicídios/ano, não se incluindo nesse número milhares de estupros e milhões de furtos e roubos.

Diante desse quadro, parece que o Estatuto não cumpriu sua promessa de reduzir a violência, que não apenas se manteve, como prosperou.

“A proibição de arma de fogo preserva a vida” disse, certa vez, a então ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, refletindo o que pensam militantes de direitos humanos, favoráveis ao total desarmamento. Segundo essa vertente, as tragédias do livre uso de armas nos EUA advertem e justificam restrições legais pretendidas aqui. Preveem nossos pacifistas que a escalada da violência vai aumentar significativamente, caso haja permissividade legal para a posse.

Por mais ansioso que esteja o presidente em cumprir promessas de campanha, talvez fosse melhor uma consulta pública, com prazo determinado, para que opiniões divergentes possam ser explicitadas; e, em seguida, assessores técnicos se encarregassem da sistematização das opiniões.

Se assim fizer, ao editar o futuro decreto sobre o direito às armas em punho o presidente poderia se valer do respaldo da sociedade, e com ela dividir as consequências.