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O calvário da Previdência

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A chegada ao Congresso da mensagem presidencial propondo a reforma da Previdência, quando acontecer, certamente revelará uma complicada costura, na qual tenta-se aproveitar alguns detalhes que o governo Michel Temer tentou e não conseguiu levar avante, juntando-se a isso novas conclusões da assessoria do ministro Paulo Guedes. Não poderão faltar a essa salada mista os cuidados para tentar reduzir, ao máximo possível, as queixas dos que estão em véspera de se aposentarem, e conter os temores parlamentares, estes sempre refratários a questões muito sensíveis; e a máquina previdenciária é uma delas.

Detalhes dificultosos facilmente perceptíveis, mas não tanto para negar que algo precisa ser feito, antes que os beneficiários se frustrem com a falência do sistema. Efetivamente, esse é um risco a correr.

O debate sobre a matéria, à medida em que se amplia dentro e fora dos gabinetes, vai captando novas indagações complicadoras, suficientes até para atrasar a tramitação. Seria possível uma reforma só no âmbito da classe média, como querem alguns? Exclusão dos militares de um quase inevitável sacrifício? E como delimitar o que for convencionado chamar de aposentadoria diferenciada?

Contudo, o detalhe que poderá levar realmente a discussões ainda mais demoradas é a tentativa que se fará de abrir espaços para dividir com organizações de previdência privada o ônus que hoje pesa sobre os cofres da Seguridade Social. Uma ideia que, se avançar – diga-se logo –, não deixará de provocar grave responsabilidade para o governo, sabendo que, em passado nem tão distante, o país andou experimentando planos parecidos, inclusive de capitalização pessoal, quase todos falidos ou corrompidos. Qual a segurança para os futuros optantes?

Iniciativa privada no DNA

Quem sempre advogou, sem reservas, a presença da iniciativa privada também nessa área foi o ministro Roberto Campos que, vivo fosse, certamente estaria no governo Bolsonaro; não está, mas, com o neto (indicado para a presidência do Banco Central), ficou o DNA. “A compulsoriedade das contribuições para o INSS é péssimo para os pobres, pois os priva de decidirem a quem confiar sua poupança. Antissocial, seu dinheiro vai para a vala comum das classes mobilizadas, estas à caça de aposentadorias precoces e especiais”, deixou escrito o ministro.

A bem da verdade, 55 anos atrás, sendo o ministro mais prestigiado pelo presidente Castello Branco, pretendeu aproveitar a força da ditadura, e levantar seu projeto; mas os generais sentiam que a impopularidade do golpe alçaria novos voos. Melhor não mexer.

Não há, como nunca houve, novidade nas divergências sobre a política de aposentadorias, suas deficiências e soluções; estas, de tão custosas, sempre carentes de coragem dos governos, e sucessivamente adiadas, a despeito de alastrar-se o fogo das cobranças. Já no Orçamento de 1889, o Império nos estertores e os idosos tombando à míngua pelas ruas, o máximo que se permitiu conseguir, com algum toque de arremedo previdenciário, foi a chamada Caixa de Socorro; mesmo assim, só para os operários das “estradas-de-ferro”.

A organização, da forma como a conhecemos hoje, veio se tornando decrépita pela omissão dos poderes e sob a agressão dos aproveitadores e políticos da hora. Um calvário que se arrasta desde janeiro de 1923, ano em que o deputado Eloy Chaves tentou impor certa ordem na casa. Mas o drama continua.

“Eu sei o que fazem os jornalistas. Primeiro, eles separam o joio do trigo. E publicam o joio”.

(Adlai Stevenson, político americano)