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Virada geral

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Ano novo, governo novo, problemas velhos e novos. Temores novos.

A posse presidencial de hoje já vem carregada de sinais sobre a era Bolsonaro. O ritual será o mesmo, mas o esquema de segurança é algo sem precedentes. Os jornalistas vão enfrentar dificuldades inéditas na cobertura, com deslocamentos controlados, em ônibus do próprio governo e o acesso limitado até aos populares. A imprensa terá que aprender a lidar com um presidente que, imitando Trump, hostiliza veículos e jornalistas e prefere se comunicar pelas redes sociais, acreditando que a mediação da imprensa está dispensada graças a ela. Verá que está enganado. Jair Bolsonaro já ameaçou cortar seletivamente verbas de publicidade e tem chamado de fake news reportagens fundamentadas que lhe desagradam. Seus filhos não se cansam de insultar jornais e jornalistas pelas redes. Não vai ser fácil.

A expectativa positiva com seu governo é alta, as interrogações são muitas e faltam respostas para os problemas mais urgentes e graves. Começando pela questão da governabilidade, o governo começa sem que Bolsonaro, eleito “contra tudo que está aí”, tenha se rendido à evidência histórica de que não poderá governar sem uma base partidária consistente no Congresso. De Jango a Dilma, passando por Collor, a história ensina que os presidentes, por mais votos ou popularidade que tenham, descolam-se do chão, podendo cair, se não conseguem se entender com o Congresso. Não conseguirão implementar o programa eleitoral com que se elegeram se não tiverem votos.

A insistência de Bolsonaro na articulação da maioria através das frentes temáticas de parlamentares é arriscadíssima. Janeiro começa com os blocos partidários se alinhando, tendo como eixo a eleição dos presidentes das duas Casas. O pequeno partido dele, o PSL, não tem unidade nem estratégia para obter um resultado minimamente confortável na eleição das Mesas. O mais provável é que as raposas da velha política – Renan Calheiros no Senado e Rodrigo Maia na Câmara – levem a melhor. Ainda que sejam outros os eleitos, Bolsonaro não governará (vide Dilma) se não conseguir um pacto de colaboração com eles.

Bolsonaro herda os velhos gargalos na infraestrutura, o desemprego alto, o déficit fiscal elevado, o caos na saúde e uma economia que se recusa a deslanchar, mas na véspera da posse o que temos não são propostas para estes problemas. É o anúncio de medida que vai ao encontro do eleitorado que ele seduziu com o discurso de que vai “pegar pesado” na questão da violência e da insegurança, a liberação da posse de armas decreto. O Congresso pode tomar como primeira provocação a dispensa de seu aval à alteração da lei do desarmamento. Em verdade, ele deve tentar afrouxar regras previstas no decreto que regulamentou a lei. Legalmente talvez possa fazer isso, mas politicamente é contraindicado. A medida tende a ser judicializada. O PT já estuda o questionamento jurídico do decreto e o Datafolha acaba de apurar em pesquisa uma rejeição crescente à liberação da posse de armas (61%).

É provável que tenhamos uma espécie de governo de duas cabeças. Na área econômica, o ministro Paulo Guedes e equipe implementando medidas ultraliberais com as quais esperam turbinar a economia. Na outra ponta, teremos o presidente tocando uma agenda relacionada com seu discurso ideológico: jogo duro com a criminalidade, contra a esquerda “comunista” e os movimentos sociais, desideologização da escola (sem partido), como se o problema da educação no Brasil fosse este, e não a baixa qualidade e a evasão dos jovens antes de terminarem o segundo grau.

As interrogações são muitas, e nem dá para falar aqui dos resultados da política externa altamente ideológica que ele promete. Mas, passada a posse, começa o tempo das cobranças, e é bom mesmo que cada pasta apresente suas prioridades para os primeiros cem dias, como pediu Bolsonaro. O povo aplaude mas não se alimenta de bravatas ideológicas.