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Sigmaringa

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Entre seus muitos talentos e competências, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, que nos deixou no Natal e foi sepultado ontem em Brasília, tinha o dom que anda tão em falta no Brasil, o da interlocução. Abria portas, mediava conflitos, aproximava os distantes, desde que fosse pela democracia, a justiça e a liberdade.

Na carta à família que foi lida no velório, Lula fez a melhor síntese de quem foi o Sig tão chorado pela assembleia plural de amigos reunidos na despedida: “Não consigo me recordar de alguém que tenha vivido por estas causas sem perder a ternura, sem abrir mão da alegria de viver, sem faltar com a generosidade e o carinho que Sig sempre dedicou aos amigos e à humanidade em que sempre acreditou.”

Jovem estudante de Direito em Niteroi, ele participou das jornadas de sua geração contra a ditadura. Estava lá, no enterro de Edson Luiz e na Passeata dos Cem Mil. Nascido numa família de militantes, o pai o batizou Luiz Carlos em homenagem a Prestes.

Corriam os anos 70 e, já formado ele veio para Brasília, passando a atuar no escritório de Sig pai, conceituado advogado. Aqui, deu contribuição enorme à luta pela restauração democrática. Ontem, no velório, o jornalista Helio Doyle recordava o dia em que foi ao “escritório paralelo” que ele mantinha, uma saleta modesta e quase clandestina, e lá viu uma montanha de processos do STM. Ele desconversou sobre o que mais tarde seria sabido, e foi citado por Lula em sua carta. Ao longo de cinco anos, ele ia STM, pedia acesso ao processo de um preso político e o copiava antes de devolver. Este material foi fundamental para a estruturação do relatório-livro “Brasil: Nunca mais”, coordenado pelo arcebispo dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano Jaime Wright. Antes da Comissão da Verdade, foi o mais importante documento já produzido sobre os crimes da ditadura, como prisões, sequestros, torturas , mortes e desaparecimentos. Modesto, Sig raramente falava deste feito e dos riscos que por ele correu.

Eu o conheci em 1977, quando ele apareceu na Polícia Federal para libertar um grupo de estudantes. Fôramos presos num arrastão durante a longa greve de 1977 na UnB. Outras prisões vieram, já mais graves, com enquadramento na Lei de Segurança Nacional, e ele continuou defendendo todos, sem nada cobrar. Enquanto a ditadura durou, se alguém era preso em Brasília, a defesa era imediatamente tomada por ele e outro que partiu recentemente, José Gerardo Grossi. Nesta altura, Sig integrou uma chapa progressista que passou a dirigir a OAB-DF.

Seu escritório no Setor Comercial Sul era um pronto-socorro para todos que atuavam na luta democrática. Lembrei-me ontem da manhã de 12 de outubro de 1977. Logo cedo soubemos na UnB que o ministro do Exército, general Silvio Frota, da linha dura militar, preparava um golpe contra a prometida Abertura de Geisel. O regime poderia endurecer. Para onde correr se o pior viesse? Para o escritório de Sig. E lá aportamos, aquele grupo ruidoso em busca de informação e eventual proteção. Mesmo naquele tempo, ele tinha interlocutores no STF e em algumas esferas do poder. No final da manhã nos tranquilizou: Geisel havia abortado o golpe e demitido Frota. Continuava a haver alguma luz no fim do túnel.

Logo depois a campanha pela Anistia começou a tomar corpo em todo o país, e Sig era um dos organizadores do comitê de Brasília. Ajudou a organizar o Centro Brasil Democrático, o Cebrade. Os moradores de Brasília não tinham direito ao voto, e lá estava ele no movimento pela representação política de Brasília, ao mesmo tempo que dava suporte jurídico a sindicatos e movimentos sociais. A transição terminou com a Constituinte, que ele integrou, dando enormes contribuições. Fez dois mandatos honrados de deputado. Falta espaço para homenagear tão rica e valorosa vida.