ASSINE
search button

Esperando no escuro

Compartilhar

Ao longo dos dois meses de transição, o novo governo que começa na próxima semana alimentou o país com abobrinhas ideológicas, nada informando, objetivamente, sobre as providências que tomará para enfrentar os problemas da vida real. Hoje o Instituto Datafolha começa a divulgar pesquisas sobre o estado de espírito dos brasileiros nesta virada política sem precedentes. Na ausência de indicações precisas sobre os rumos do governo, tanto otimistas quanto pessimistas fazem apostas no escuro, baseadas na empatia ou empatia pelo candidato eleito.

É provável que a esperança prevaleça, que mesmo não-eleitores de Bolsonaro (que obteve 55% dos votos válidos) agora torçam para que ele faça um bom governo, mesmo desconhecendo rumos precisos. As abobrinhas ideológicas – que vão da eleição de Cuba e Venezuela como “inimigos externos”, passando pela enigmática “ideologia de gênero”, críticas à imprensa e ênfase desmedida na questão das terras indígenas – não vão encher barriga, nem reduzir a pobreza ou trazer empregos, demandas concretas que geram uma responsabilidade imensa para o superministro da economia, Paulo Guedes. Tal como o chefe, ele tem esboçado linhas pouco nítidas de um programa ultraliberal.

Bolsonaro é o primeiro presidente que, depois de eleito, não concedeu uma entrevista coletiva organizada e formal falar das ações de governo de curto e longo prazo. Ele acredita que a mediação da imprensa tornou-se dispensável na era das redes sociais. Ainda terá provas de seu engano mas por ora, através do Twitter, é que fala para a bolha do bolsonarismo, que é grande mas abaraca todos os segmentos da população. Os desconectados, que ainda são milhões, estão no escuro.

Em postagem de ontem ele conjuga o verbo no futuro e apresenta quatro prioridades, mas todas imprecisas e insuficientes como respostas às angústias e frustrações que a população vem acumulando desde 2015, em grande medida responsáveis pela derrota da direita liberal e da esquerda na eleição. Disse ele: “As convergências ministeriais darão o tom de desenvolvimento de nosso país e que foi pautada pela população. Reduzir o estado, desenvolvimento sem entraves de ONGs, acordos comerciais bilaterais já em andamento e mudar a atual pífia linha educacional. Vamos alavancar o Brasil!”

Redução do Estado sabemos que haverá mas não há plano definido de privatizações. E alguém acredita que as ONGs, embora nem todas sejam santas, são responsáveis por nossas misérias? Acordos bilaterais podem ser firmados, desde que não colidam com o Mercosul. A linha educacional, em sentido pedagógico, vem evoluindo, com o avanço do ensino integral e infantil e a implantação da base nacional curricular. Mas ele não está falando de ensino, e sim de uma suposta ideologização das escolas, esta abstração nunca provada. Para alavancar o Brasil é preciso muito mais.

Oposições perfiladas

Por ora, a oposição de esquerda pode apenas planejar-se para o tempo nebuloso que virá. Na quinta-feira, dirigentes das fundações de PT, PSOL, PSB, PDT, PC do B, PROS e SD reuniram-se para acertar uma agenda comum de ação, dentro e fora do Congresso. No final de janeiro lançarão o “Observatório da Democracia”, um fórum comum em que serão divulgadas informações ações e posicionamentos em relação a temas como trabalho, pacto federativo, saúde e educação, e questões relacionadas diretamente com a preservação da democracia e a observância dos direitos da cidadania. Embora PDT, PSB e PC do B tenham formado um bloco só dos três na Câmara, para Márcio Pochaman, presidente da Fundação Perseu Abramo, do PT, a unidade das oposições vai se dar principalmente através do Observatório, que também produzirá subsídios sobre cada política relevante do governo Bolsonaro. Quando, finalmente, elas derem o ar de sua graça. Por ora tudo são palavras.