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Aparece, Queiróz

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Faltando ontem pela segunda vez ao depoimento marcado pelo Ministério Público para explicar a movimentação financeira de R$ 1,2 milhão, incompatível com sua renda, Fabrício Queiroz complicou mais ainda a vida da família Bolsonaro. Por conta de seu sumiço e silêncio, em janeiro um senador da República, Flávio Bolsonaro, filho do presidente recém empossado, Jair Bolsonaro, terá que prestar esclarecimentos sobre as entradas e saídas de dinheiro da conta bancária de seu ex-assessor. O constrangimento só poderá ser evitado se Queiróz aparecer e contar uma história convincente, apresentando elementos que sustentem sua veracidade.

Aos procuradores o novo senador não poderá dizer simplesmente que o ex-assessor é que deve explicar a movimentação. Se eles decidiram convocá-lo é porque entendem que ele tem responsabilidade no caso. Queiróz era seu funcionário de confiança há muitos anos e amigo de seu pai. Depois, oito funcionários do então deputado estadual fizeram transferências para a conta do assessor, fora os depósitos não identificados, feitos por envelope. Podem ter sido feitos também por funcionários, embora isso dificilmente possa ser provado.

Até aqui, o silêncio de Queiróz podia valer ouro para os Bolsonaro. Agora, ele precisa aparecer. Segundo seu advogado, ontem ele foi internado, depois de ter passado mal na quarta-feira, faltando à primeira convocação. Queiróz precisa aparecer para que não continue prosperando a crença de que os gabinetes bolsonaros cobravam “rebate” de seus funcionários, sendo ele o caixa recolhedor e distribuidor. Para que ninguém acuse os Bolsonaro de praticar o “trabalho escravo” que o presidente eleito acusou Cuba impor a seus médicos. Mas para aparecer, ele precisa de uma boa história.

Circulou o boato de que atribuiria parte da movimentação ao faturamento que obtinha com a revenda de carros usados e outros produtos. Os depósitos de funcionários, explicaria como pagamentos de dinheiro que lhes emprestava a juros. Ou seja, fazia do gabinete de Flávio um ponto de venda clandestina, sem pagar impostos, e de agiotagem. Ainda assim, faltaria explicação para os depósitos da mulher e da filha Nathalia, esta funcionária do gabinete de Jair Bolsonaro até 15 de outubro. Foi exonerada no mesmo dia em que o pai saiu do gabinete de Flávio, gerando a suspeita de que tenham tido prévio conhecimento do relatório que o Coaf estava preparando sobre movimentações suspeitas de funcionários da Alerja, em busca de “laranjas” dos deputados estaduais corruptos identificados pela operação Furna da Onça.

O Conselho de Ética do Senado não aceitará representações contra Flávio Bolsonaro porque os fatos se passaram antes de sua eleição e posse, mas é claro que a oposição fará cavalo de batalha, apresentando pedidos para que seja julgado por quebra de decoro. Não darão em nada mas desgastarão o governo que estará começando. Já será preciso arrumar votos para barrar as iniciativas. Já será preciso pedir favores, como na velha política.

Agora vem o Natal e no Ano Novo a posse de Bolsonaro. O silêncio de Queiróz já valeu ouro mas, antes do dia 10 de janeiro, será melhor para o poderoso clã que ele apareça, com uma boa história na ponta da língua.

O lado escuro

O sucesso que vinha fazendo um jogo eletrônico horrível como o Bolsomito é um sinal do lado escuro de nossa alma coletiva, que aflorou sem meias nem peias com a ascensão do bolsonarismo. Ontem o Tribunal de Justiça do Distrito Federal proibiu sua comercialização. Em seu despacho, o desembargador Álvaro Ciarlinim alegou que ele estimula a discriminação racial, o preconceito, a violência e a opressão. Nele, o presidente eleito Jair Bolsonaro é representando espancando negros, mulheres e LGBTs. Segundo a descrição do jogo elaborada pelo fabricante, a Valve Corporation, o objetivo dos jogadores é “acabar com os líderes do temido exército vermelho, responsável por alienar e doutrinar grande parte da nação, para que defendam e lutem por suas causas terríveis”. Nestas horas é que a gente se pergunta: como foi o Brasil cair neste desvão da ignorância?