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Temer e o autoengano

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O presidente Michel Temer inaugurou na terça-feira, em Itu, um Centro de Memória que leva seu nome e abrigará peças e documentos relativos a seu governo, numa evidência de seu autoengano sobre o lugar que terá na História. Anteontem, com a denúncia apresentada pela procuradora-geral Raquel Dodge, ele tornou-se réu no inquérito sobre o decreto dos portos, sob a acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Desta vez não poderá gastar recursos públicos para garantir a rejeição da denúncia pela Câmara. Ela irá diretamente para a primeira instância.

Segundo pesquisa Ibope deste dezembro, 74% dos brasileiros consideram seu governo ruim ou péssimo, contra apenas 5% que o aprovam (bom ou ótimo). Nem por isso ele sairá pela porta dos fundos, como Figueiredo, o último general-presidente. Passará a faixa ao sucessor Bolsonaro, a quem tem prestado descomedida vassalagem. A última delas, o precipitado decreto de extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti, antes mesmo da palavra final do STF. Afinal, só Bolsonaro pode oferecer-lhe um bote salva-vidas. Quem sabe a embaixada na Itália, que lhe garantiria foro especial.

Temer é um caso agudo de autismo político. Nos discursos deste final de percurso, enaltece a si mesmo declarando que colocou o Brasil nos trilhos e entregará ao sucessor um país em ordem. Nada sobre o desemprego que aumentou depois de sua posse, chegando a 13,9%; sobre a recessão que sua política econômica austericídia agravou; sobre a alardeada recuperação que vai gerar este ano um pibinho de 1,3%; nada sobre as duas denúncias que contra ele foram apresentadas, e rejeitadas graças a uma farta distribuição de cargos e verbas orçamentárias; nem sobre o déficit fiscal, que fechará este ano em R$ 149 bilhões. Costuma dizer que fez “reformas importantes”, embora não tenha conseguido aprovar a da Previdência. Seu legado reformista resume-se à emenda do teto dos gastos, que vem afetando a qualidade de serviços como educação e saúde, e à reforma trabalhista, que confiscou direitos e instituiu a terceirização irrestrita e o precário trabalho intermitente.

Afora estes resultados, será também lembrado como o vice que conspirou contra sua companheira de chapa para herdar-lhe a cadeira, num processo de impeachment de discutíveis fundamentos jurídicos. Agora, neste esforço final para deixar boas lembranças, declarou que ela é “uma senhora correta e honesta”. Empossado, desmontou políticas públicas que aplaudia e perseguiu petistas e aliados à esquerda. Precisava dos cargos pois, finalmente, o governo era inteiro do MDB.

Temer tem uma capacidade singular para converter a realidade em seu próprio discurso. Ele acredita no que diz e pronto. Ao Centro de Memória Michel Temer, abrigado pela Faculdade de Direito de Itu, destinou documentos que falam do governo em que ele acredita. A maioria deles é composta por e-mails e discursos. Anteontem, reunindo o ministério pela última vez, encerrou sua fala dizendo que sentirá falta do Fora Temer. A palavra de ordem mais gritada desde maio de 2016 será agora aposentada. Talvez vire lembrança de um tempo que era até ameno, diante do que está por vir.

Mais adiante

A História é uma senhora sóbria que não aceita versões dos atores do presente. Em relação ao STF destes tempos, deve registrar que uma decisão juridicamente perfeita, a liminar do ministro Marco Aurélio determinando a soltura dos presos por condenação em segunda instância, foi derrubada por juízo subjetivo do presidente da Corte, Dias Toffoli, atento aos quartéis e preocupado em provar que seria capaz de manter preso quem o nomeou, o ex-presidente Lula.

Burocrata na Cultura

Henrique Medeiros, que chefiará a secretaria de Cultura, sucedânea do Minc, era chefe de gabinete do ministro Osmar Terra: Aquele funcionário que atua como anteparo de ministro, organizando a agenda e livrando-o de chatos e pedintes. O tempo é mesmo anti-intelectual e anticultural.