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Há juiz em Brasília

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A expressão “ainda há juízes em Berlim”, originalmente dita por um moleiro alemão a um poderoso rei, remete à crença na Justiça contra o arbítrio mesmo em situações extremas. Aplica-se à situação criada ontem pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, ao emitir liminar determinando a soltura de todos os presos que cumprem pena após condenação em segunda instância, contrariando a previsão constitucional e do Código de Processo Penal, que lhes garante liberdade até o esgotamento dos recursos. Isso incluiria Lula. Confirmando a regra não escrita de que o ex-presidente não pode ser solto, o presidente da Corte, Dias Toffoli, suspendeu a decisão do colega.

Há um juiz em Brasília, mas há também generais. Os do alto comando do Exército fizeram conferências telefônicas ontem sobre o assunto. O comandante não precisou emitir um tuíte ameaçador, como na véspera do julgamento de um pedido de habeas corpus de Lula. Se o Supremo ainda for Supremo”, disse Marco Aurélio logo após anunciar sua decisão, a liminar será cumprida. Coube a Toffoli dizer que a corte bate continência para outros poderes.

Ele decidiu à noite, depois das movimentações militares, depois que os falcões da Lava Jato subiram nas tamancas e que o bolsonarismo também protestou contra a medida, acolhendo recurso da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Criticou-se Marco Aurélio pela decisão em si e também por tê-la tomado no último dia de funcionamento da Corte antes do recesso. Mas foi o tribunal, através da ex-presidente Cármen Lúcia, e do atual, Dias Toffoli, que jogou com o tempo para evitar uma decisão que poderia beneficiar Lula. Quando Cármen era presidente, recusou-se terminantemente a pautar o julgamento das ADCs (Ações Diretas de Constitucionalidade) 43 e 44, apresentadas pelo PEN e pela OAB. O relator era Marco Aurélio, que em dezembro do ano passado já havia emitido parecer e declarado a matéria pronta para ir ao plenário. Cármen temia a revogação da decisão de 2016, que tornou tais prisões possíveis, apesar da clareza do texto constitucional. No início deste ano o PCdoB entrou com ação no mesmo sentido. Em abril, Marco Aurélio liberou a matéria para apreciação.

Cármen Lúcia presidiu a corte até setembro sem pautá-la. Toffoli tomou posse no meio da campanha e decidiu que antes do segundo turno o plenário não trataria do caso. Isso era razoável, para não tumultuar mais a disputa com eventual soltura de Lula. Esta semana ele pautou o assunto para 10 de abril do ano que vem. Foram os presidentes do STF que brincaram com o tempo (e com a paciência do relator), com propósito claro de evitar um resultado por eles indesejado.

Há juiz em Brasília, mas não há Supremo.

Entregar a chave

O ministro Marco Aurélio mexeu em dois vespeiros num dia só. Ele também acatou o pedido de liminar do senador Lasier Martins para que a eleição do presidente do Senado seja por voto aberto. A iniciativa de Martins teria como alvo a candidatura do senador Renan Calheiros, que ontem no plenário defendeu a cassação da decisão de Marco Aurélio, por considerá-la uma ingerência do Judiciário no Legislativo. O regimento do Senado prevê o voto secreto. Renan recordou o ex-presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, que ao receber recados do primeiro ditador-presidente, Castelo Branco, para que alinhasse o tribunal com a “revolução”, ameaçou fechar o Supremo e entregar a chave na portaria do Palácio do Planalto. Se a decisão de Marco Aurélio for mantida, sugeriu ele ao presidente do Senado, Eunício Oliviera, “será melhor V. Excia encerrar seu mandato entregando a chave do Congresso na portaria do Supremo”.

Furo na história

Fabrício Queiroz iria dizer ontem ao Ministério Público, se não tivesse adoecido, como alegaram os advogados, que emprestava dinheiro a juros aos colegas de gabinete. Os depósitos em sua conta seriam pagamentos. Geralmente, agiota pega cheque pré-datado como garantia. Mas o problema maior seria explicar os depósitos das duas filhas e da mulher.