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A mediação necessária

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Na diplomação de anteontem o presidente eleito Bolsonaro esforçou-se para adotar um tom conciliador mas não resistiu à tentação de depreciar o papel mediador da imprensa livre na democracia, ao dizer que “o poder popular não precisa mais de intermediação”. É possível ganhar eleições com as redes sociais, como ele demonstrou. Mas, para governar sob marcos democráticos, nenhum governo poderá prescindir dessa mediação. Isso ele ainda não compreendeu, o que se nota até pelo descaso com que vem tratando as questões de comunicação na montagem do governo.

Coincide com a fala em que Bolsonaro, por engano ou por cálculo, confere às novas mídias uma supremacia enganosa sobre a imprensa tradicional, a escolha do jornalismo, pela revista Time, como personalidade deste ano em que, mundo afora, veículos e jornalistas foram perseguidos pela exposição de verdades incômodas. E não apenas por governos autoritários, mas também pelas hordas de intolerantes geradas pela própria Internet.

A Time escolheu para personificar a homenagem o jornalista saudita Jamal Khashoggi, assassinado no consulado da Arábia Saudita em Istambul, para calar suas críticas ao regime, a editora Maria Ressa, do site Rappler, que denuncia os abusos do governo filipino de Rodrigo Duterte, e os repórteres da Reuters, Wa Lone e Kyaw Soe Oo, presos em Miamar quando investigavam o genocídio que ali ocorre contra a etnia Rohingya. E ainda, o jornal norte-americano Capital Gazette, vítima de um atirador que abriu fogo contra a redação, matando cinco profissionais. A jornalista Patrícia Campos Mello, da ‘Folha de S. Paulo’, também foi citada como exemplo de profissional perseguida por seu trabalho investigativo. Ela sofre ameaças desde que revelou os disparos de Fake News contra o PT pela campanha de Bolsonaro.

Voltemos à mediação. As mídias sociais de fato permitem que qualquer um emita sua opinião, e que as pessoas recebam informações das mais diversas fontes. Bolsonaro teve o mérito de apostar nas redes sociais para contornar o escasso tempo de TV de sua candidatura, e dizendo o que as pessoas queriam ouvir, arrastou legiões, venceu a eleição. No primeiro turno, falou por uma delas sobre o resultado, e no segundo também. Falou antes para o “poder popular”, que eu chamaria de base digital. Só depois deu uma entrevista coletiva para todos os veículos e emissoras acampados em frente à sua residência.

Na transição, fala pouco com os jornalistas, demonstra impaciência e responde com irritação. Foi pelo Twitter que anunciou boa parte dos ministros escolhidos. Ali também continua mandando seus recados.

Agora ele vai tomar posse, vai governar, seus atos vão impactar diferentes grupos sociais e contrariar interesses. Tudo o que disser ou fizer será do interesse de todos, e será a imprensa livre e independente, tradicional ou digital, que conduzirá o debate público. As mídias sociais é que serão pautadas, não o inverso. Ele pode já ir se acostumando, no trocadilho dos que cantavam sua vitória. Ao longo do mandato, haverá sim a intermediação da imprensa, atributo da democracia que o peso das redes sociais na eleição não suprimiu.

A nomeação de um assessor do deputado Eduardo Bolsonaro, até onde se sabe versado apenas em mídias sociais, para comandar a Secom, é mais um sinal de equívoco sobre o lugar da comunicação institucional no governo. A prometida extinção da EBC será um erro colossal. Além de matar a experiência tardia mas necessária da comunicação pública independente, o próprio governo ficará privado do braço da empresa que apoia sua ações institucionais.

Raridade

Raros são hoje os políticos com o caráter de José Múcio Monteiro. Ao assumir ontem a presidência do TCU, teve a decência de agradecer a Lula, que o nomeou para a corte. Metade do auditório aplaudiu. Nem tudo é cabotinice em Brasília.