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Pegadas do dinheiro

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A cobrança não precisou vir de nenhum líder da oposição. O próprio vice-presidente eleito, general Mourão, disse o óbvio e necessário: o assessor do senador eleito Flavio Bolsonaro “precisa dizer de onde saiu o dinheiro”, referindo-se à movimentação de R$ 1,2 milhão numa conta bancária, da qual saiu um cheque nominal de R$ 24 mil para a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. Um escândalo dessa ordem, na véspera da diplomação de um presidente eleito é coisa inédita, com um potencial de desgaste devastador, que só o esclarecimento cabal pode conter.

A fala do loquaz Mourão certamente desagradou o clã e aprofundará as divergências. Já os filhos Carlos e Eduardo, sempre ativos no Twitter, ignoraram o assunto. Carlos fez um tuite agradecendo mensagens de aniversário e Eduardo uma divulgação da Cúpula Conservadora das Américas, que começou hoje em Foz do Iguaçu. Flávio externou em entrevistas sua confiança no PM Fabrício, amigo da família que em seu mandato de deputado estadual atuava como motorista, segurança e assessor. Procuradores do moralismo ativista, como Deltan Dallagnol, também saíram de cena.

O assunto vai render porque as explicações iniciais não foram consistentes nem convincentes. O senador eleito disse ter ouvido do PM “uma explicação plausível”, mas não quis reproduzi-la, pois Queiroz se explicará pessoalmente ao Ministério Público. Antecipando a explicação, evitaria especulações. O Coaf chegou a Queiroz ao examinar movimentações atípicas de funcionários da Alerj a pedido da Operação Furna da Onça. Foi um tropeção, não uma conspiração, como dizem bolsonaristas nas redes. Por valores menores, outros assessores da Alerj foram presos.

Há lacunas também nas explicações do presidente eleito para o pagamento à sua mulher, alegando que “ninguém dá ou recebe dinheiro sujo em cheque nominal”. Ele havia emprestado não apenas R$ 24 mil, mas R$ 40 mil, ao amigo e assessor do filho. Não disse quando, nem apresentou comprovante do empréstimo, que deve ser antigo, pois entre 2016 e 2017 a movimentação bancária não sugere dificuldades financeiras. Já eleito, Bolsonaro foi três vezes ao banco pessoalmente, o que conflita com o argumento de que, por falta de tempo, usou a conta de Michelle.

Parlamentares com experiência em CPIs chamam a atenção para os depósitos feitos por funcionários do gabinete de Flávio na conta de Queiroz. Oito deles fizeram depósitos em dinheiro. A filha do PM, Nathalia, seria uma personal training bem-sucedida no Rio. Trabalhou no gabinete de Flávio até dezembro de 2016, ganhando R$ 9.835,63. Neste período, fez depósitos que somaram R$ 84.110,04 na conta do pai. Depois ela foi lotada no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, de onde saiu no mesmo dia em que o pai deixou o gabinete de Flávio na Alerj. Vai ver que ela não precisava do salário e o doava ao pai. Mas como explicar que Raimunda Veras Magalhães, que na última folha de pagamento da Alerj recebe 5.124,62, tenha depositado quase tudo para Queiroz, R$ 4,6 mil. Jorge Luís de Souza ganhou R$ 4.847,27 em setembro de 2016 e depositou R$ 3.140,00.

Nem todos os recursos da conta foram depositados por funcionários, mas os deles chamam a atenção de deputados federais porque existe na Câmara um esquema chamado de “rebate”: o deputado contrata o funcionário sob o compromisso de que ele devolverá parte do recebido, para custear sua atividade política. Pelo emprego, o contratado se cala, mas de vez em quando há uma denúncia, como a de Eliene Audrey Arantes contra o deputado João Campos (PSDB-GO), que o grupo Bolsonaro cogita apoiar para a presidência da Câmara. Em 2015 ela o acusou de ter ficado com parte de seu salário entre 2004 e 2008. A PGR abriu procedimento mas a ação nunca prosperou.

Pode ter havido “rebate”, diz um deputado federal, por iniciativa do PM, sem o conhecimento de Flávio. Contra as especulações, só a boa investigação. Isso vai render. E talvez feder.