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Licença para matar

Fernando Souza/ AFP -
Jair Bolsonaro
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Para garantir aos policiais o direito de matar em confrontos com criminosos sem ter que responder a processos, o presidente eleito Jair Bolsonaro terá que travar uma batalha renhida, talvez inglória, para aprovar o tal “excludente de ilicitude”. Ainda que dobre o Congresso, o assunto acabará no STF. Ontem ele fez uma defesa peremptória da medida, mas o bom senso recomenda que não a apresente ao Congresso juntamente com reformas relacionadas ao problema central do déficit fiscal, como a previdenciária. A Casa costuma refugar medidas polêmicas em dose dupla ou excessiva.

“Eu quero uma retaguarda jurídica para as pessoas que fazem a segurança em nosso Brasil”. “Não admito que integrantes das polícias e das Forças Armadas, após o cumprimento da missão, respondam a um processo”, disse Bolsonaro ontem. Ele não admite mas não terá poderes para impor a medida que, na prática, concede aos agentes de segurança uma licença para matar impunemente.

O número de policiais assassinados no Brasil vem crescendo ano a ano mas nossa polícia é também uma das que mais mata. Hoje, os policiais precisam responder a um processo judicial mas escapam com frequência através do famigerado “auto de resistência”, justificando a reação letal como necessária, o que tem permitido o surgimento de verdadeiros esquadrões da morte dentro das PMs.

Bolsonaro defendeu a medida na campanha, prometendo “pegar pesado contra a criminalidade”, e também no plano de governo sintético apresentado ao TSE. O governador eleito do Rio, Wilson Witzel, também prega a matança dos bandidos. Ontem, quando anunciou que não prorrogará a intervenção no Rio, o presidente eleito externou a determinação em adotá-la: “Devemos, sim, ter segurança jurídica. Caso contrário, como presidente, não serei irresponsável de botar nossos homens e mulheres na rua para, após o cumprimento da missão, serem processados”.

Seriam então irresponsáveis os atuais governantes? Não, estão apenas agindo dentro da legalidade. O “excludente de ilicitude” confronta diretamente com a Constituição que, no artigo quinto, define o direito à vida como direito fundamental e faz do artigo cláusula pétrea, que não admite restrição ou supressão. Ainda que, após grande batalha legislativa, o Congresso aprovasse uma ressalva, o assunto iria parar no STF, que provavelmente proclamaria sua inconstitucionalidade.

O Código Penal estabelece algumas situações de não-punibilidade para o ato de matar: em legítima defesa, estado de necessidade ou no estrito cumprimento do dever legal, por exemplo. Nesta última situação poderia se tentar enquadrar os policiais que matam em ação, mas ainda neste caso, teriam que responder a processo para garantir a não-punição.

Se levar adiante seu propósito, Bolsonaro comprará briga feia com as instituições de defesa dos direitos humanos, exporá mais ainda a imagem internacional do Brasil, e será mais comparado a Rodrigo Duterte, o torcionário presidente filipino que usa e abusa das execuções extrajudiciais em sua guerra contra as drogas.

Como a prioridade número zero do novo governo tem que ser a reforma previdenciária, e o futuro czar da economia, Paulo Guedes, prega também uma reforma tributária, será de bom alvitre não misturar os assuntos. O Congresso tem sempre uma indigestão quando lhe é pedida uma dose cavalar de medidas impopulares ou polêmicas.

Nova hora de Lula

O PT mantém o pé atrás em relação ao julgamento do habeas corpus de Lula, que o STF julgará na terça-feira. É mesmo improvável que o Supremo acolha o argumento de que Moro foi parcial ao julgá-lo, o que teria ficado evidente com sua ida para o governo de um presidente que ajudou a eleger com a exclusão do candidato favorito. Mas, no meio jurídico, há quem não descarte a concessão a Lula do benefício da prisão domiciliar. Resta saber se desta vez haverá tuite ameaçador de general. Em carta lida ontem na reunião do diretório nacional, Lula diz ao partido que “a máquina do Ministério da Justiça vai aprofundar a perseguição ao PT”. É grande a preocupação com Dilma.