ASSINE
search button

A coerência e os custos

Compartilhar

O dia não foi bom para Bolsonaro na política externa. Fez uma escolha ruim, embora coerente, para o Itamaraty, e levou um olé de Cuba, que reagiu a seus ataques e ameaças ao programa Mais Médicos, antecipando a ruptura do acordo. Pior para os mais pobres do Brasil profundo, onde faltam médicos brasileiros. Como disse a nota do governo cubano, “os brasileiros saberão a quem responsabilizar” .

A escolha do embaixador Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores é ruim não apenas por seu perfil fortemente ideológico, identificado com as posições de extrema direita do presidente eleito e, como ele, um admirador de Donald Trump. Ele fez campanha para Bolsonaro em seu blog pessoal, em que chamou o PT de partido terrorista e emitiu outras opiniões no mínimo impróprias para um diplomata de carreira. Seu perfil pode até facilitar as relações com os Estados Unidos, prioridade número um de Bolsonaro na política externa, mas pode afetar outros relacionamentos e dificultar as negociações brasileiras em outras frentes. A escolha é ruim, internamente, porque afronta tradições do Itamaraty, onde um nome de fora da carreira é muito melhor aceito (como é o caso do senador Aloysio Nunes Ferreira) do que a escolha de um diplomata que, segundo os cânones da Casa, não cumpriu todas as etapas consideradas essenciais para a ocupação do cargo de chanceler.

Assim, a escolha de Ernesto Araújo pode criar desconforto interno (ou já criou) no Itamaraty por atropelar uma tradição hierárquica não escrita. É como se Bolsonaro tivesse escolhido para o ministério da Defesa um militar com patente inferior à de general de quatro estrelas. Araújo tem 29 anos de carreira, como destacou Bolsonaro em seu anúncio, mas só foi promovido a embaixador (ministro de primeira classe) em 26 de junho deste ano. Antes do cargo atual, de diretor do departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, que assumiu em 2016, ele foi Subchefe de Gabinete do ministro, em 2015. Esteve em alguns postos no exterior mas nunca foi titular de uma embaixada ou chefe de uma missão permanente, experiências consideradas importantes para um chanceler.

Em seu agora famoso artigo “Trump e o Ocidente”, ele enaltece a visão de Ocidente proposta por Trump, “não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais”. Devoto, defende a conexão entre religião e política e gosta de citar a Batalha de Ourique, em que D. Afonso Henriques teria posto em fuga cinco reis árabes. Há controvérsias sobre a ocorrência desta batalha mas, certamente, não é uma história que agrade aos povos árabes, nossos compradores que já não gostaram da promessa de Bolsonaro, de transferir a embaixada brasileira em Israel para a disputada Jerusalém. Mas como diziam ontem ressabiados diplomatas, foi uma escolha coerente.

Jogo arriscado

O deputado Rodrigo Maia ofereceu a mão a Bolsonaro. Se tivesse o apoio do futuro governo para concorrer à presidência da Câmara, seria um aliado. O presidente eleito refugou a oferta, dizendo que cada um tem seus interesses, que outros candidatos ainda vão se apresentar e ele não se meterá na disputa.

De duas, uma. Ou ele tem um candidato “in pectore”, pelo qual vai trabalhar quando fevereiro chegar, ou resolveu correr o risco de deixar a disputa correr solta. Neste caso, arriscando-se a ter um adversário no posto. Dilma tentou derrotar Eduardo Cunha, não conseguiu e deu no que deu.

Maia, que sabe tricotar como poucos naquela Casa, deve começar agora a articular sua candidatura através dos acordos partidários. Antes da posse dos 52 deputados do PSL, pode ter conseguido votos suficientes para se eleger, apesar de Bolsonaro.

No Senado, Renan Calheiros também avança na construção de sua candidatura sem conexões palacianas. Para reforçar os contrapesos democráticos, será bom ter presidentes independentes no Legislativo.