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O general falou

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Há duas mensagens importantes na entrevista do comandante do Exército, general Villas Bôas, ao jornal Folha de S. Paulo de domingo. É preocupante a revelação de que agiu “no limite”, quando postou um tuite, na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula pelo STF. Sinal de que agiu para não ser atropelado pelos mais exaltados. Mas não deixa de ser tranquilizadora a mensagem de que as Forças Armadas não querem se confundir com o governo de Jair Bolsonaro, apesar do apoio eleitoral da corporação e da presença de militares em cargos importantes. Tanto melhor se isso significar que medidas extremas não serão avalizadas e que, se os outros Poderes tiverem que exercer seus contrapesos, corrigindo ou contendo o chefe do Executivo, os militares não se colocarão no caminho, saindo em defesa de Bolsonaro.

“Sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse”, disse o general, admitindo agitação política nos quarteis. No dia seguinte o STF negou o habeas corpus a Lula, abrindo caminho para sua prisão. Em nota, o PT condenou a confissão de tutela militar, que a seu ver confirma a natureza política da prisão do ex-presidente.

Em relação ao futuro governo, Villas Boas também foi claro. Após dizer que Bolsonaro é “muito mais um político” que um militar, enfatizou: Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutamente não é”.

O entorno de Bolsonaro (talvez ele também) não teria gostado da entrevista, por esta e outras passagens. Se toda a cúpula militar comunga das considerações de Villas Bôas, teremos um governo estritamente civil, sujeito às restrições constitucionais, que, no limite, incluem um eventual impeachment. Mas outras preocupações persistem, e só serão dissipadas com a prática do governo: com a governabilidade e a relação com os outros Poderes, com a observância dos direitos e garantias e com o êxito do programa econômico ultraliberal de Paulo Guedes.

Dois nomes para o Itamaraty

Bolsonaro continua buscando um nome para o Itamaraty e neste momento dois diplomatas são os mais cotados. Um é o embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima, um liberal que esteve em relativo ostracismo nos governos petistas, tendo chefiado no período os consulados de Nova York e Los Angeles. Teria o beneplácito do general Augusto Heleno, de quem é amigo. Outro é Luiz Fernando Andrade Serra, que até há pouco tempo era embaixador na Coreia do Norte. Ele recebeu Bolsonaro em Seul quando de sua viagem à Ásia e teria causado boa impressão. Agora, ele está no Brasil.

O problema de Bolsonaro com o Itamaraty não é a falta de bons nomes, mas o fato de que a nata da diplomacia brasileira, de algum momento, ocupou cargos importantes nos últimos governos, e isso os descredencia como simpáticos ao PT. Para muitos deles, seria temerário assumir o cargo se tiverem que implementar uma agenda ideológica, pela direita, que poderia comprometer os resultados da política externa e suas próprias trajetórias. Por exemplo, transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém ou romper relações com Cuba.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o deputado Eduardo Bolsonaro disse claramente o que a família pensa da Casa de Rio Branco. Perguntado se achava necessário fazer grandes mudanças no corpo funcional, respondeu: “Eu acredito que sim. O que eu escuto falar é que o Itamaraty é um dos ministérios onde mais está arraigada essa ideologia marxista e onde haveria uma maior repulsa ao presidente Jair Bolsonaro.”

Disseram duas bobagens ao deputado. A diplomacia é uma carreira de elite, que passa por rigorosa seleção e por formação posterior no Instituto Rio Branco. Marxistas ou liberais na origem, todos são formados para servir ao país e entendem-se como funcionários do Estado, observada a ênfase de cada governo na política externa. A suposta “repulsa” ao presidente eleito não condiz com o profissionalismo do Itamaraty.