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Driblando a democracia

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Tomo emprestado o título aí de cima do documentário produzido pelo canal francês “Arté” sobre a guerra cibernética envolvendo Facebook, Cambride Analytica e outras forças poderosas para garantir a eleição de Trump. Da mesma forma, a campanha de Bolsonaro driblou a democracia brasileira e fraudou o princípio das eleições livres no primeiro turno, intoxicando milhões de mentes com disparos pelo WhatsApp. Novo ataque viria semana que vem. Tão grave interferência no processo, ilicitamente financiada, exige solução cirúrgica, com anulação do pleito ou impugnação da candidatura favorecida, dentro da legalidade.

A reportagem de Patrícia Campos Mello, na “Folha de S.Paulo”, é um trabalho que dignifica o jornalismo. Estava na cara que algo muito anormal havia acontecido nas horas que antecederam o primeiro turno, mas era preciso investigar e demonstrar. Na terça-feira, 16, publiquei a coluna “A máquina das mentiras”, relatando a inundação das mensagens, minha incursão por um grupo de WhatsApp bolsonarista e o furo do ativista Everton Rodrigues, do blog “Falando Verdades”, sobre a existência de mais de 50 grupos disparadores de fake news e injúrias contra o candidato Haddad e o PT. Muitos deles sediados na Califórnia. Ele mostrou os registros e logo depois foi desligado do WhatsApp. O que estava na cara exigia uma investigação jornalística arrojada, como fez Patrícia, agora covardemente atacada por bolsonaristas.

A atuação de Havan e outras empresas no pagamento do serviço sujo lembra algo da campanha de Trump. Lá só existem controles e limites para os comitês oficiais de cada campanha. Os comitês de apoio, formados por empresas, são livres para arrecadar e gastar. Foi um deles, criado pelo bilionário gênio da informática Robert Mercer, que bancou a contratação do estrategista Steve Bannon e os serviços digitais, mostra o documentário francês.

Este financiamento indireto de atividades de campanha por empresas é crime eleitoral. Mas as práticas descobertas vão muito além. O uso da máquina de mentiras do WhatsApp para influenciar eleitores constitui um crime contra a democracia. O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, afirmou em rede social que as pesquisas captaram a força estranha no primeiro turno. Houve um grande “disparo” de mensagens logo após o protesto do #Elenão. Na semana que antecedeu o pleito, Bolsonaro cresceu sete pontos percentuais, passando de 28% para 35%, ou 39% dos votos válidos. Saiu das urnas com 46%. A força estranha atuou também nos estados, produzindo resultados que contrariaram as pesquisas, como as derrotas de Dilma Rousseff em Minas, Roberto Requião no Paraná e Eduardo Suplicy em São Paulo, por candidatos bolsonaristas.

Como sair do buraco?

O PT requereu ao TSE a impugnação da candidatura de Bolsonaro que, tal como em relação à violência dos seguidores, disse não “poder controlar” empresas aliadas. O PDT pedirá a anulação do primeiro turno. O TSE não respondeu adequadamente à questão das fake news, mas agora está diante de algo mais grave e monstruoso. Pelo menos em relação à ameaça de nova barragem de fogo na semana que vem, terá que mostrar força, agilidade e coragem. O processo de impugnação levaria tempo. A anulação seria traumática, mas extirparia o mal.

Há outras propostas de saídas de emergência, como a de um grupo de personalidades, que inclui ministro de todos os governos: Celso Amorim (Lula e Dilma); Bresser Pereira, José Carlos Dias e Paulo Sergio Pinheiro (FHC); Rubens Ricupero (Itamar Franco); além de intelectuais como Luiz Felipe de Alencastro, André Singer, Paulo Nogueira Batista Jr., Mariz de Oliveira, Roberto Schwarz e Maria Hermínia Tavares de Almeida. Eles sugerem que Haddad proponha aos candidatos e partidos derrotados no primeiro turno a formação de um governo de coalizão, caso consigam derrotar juntos o candidato do PSL.

Partidos e candidatos derrotados lavaram as mãos, deixando o PT às voltas com o monstro autoritário, mas agora está claro que, se não for abatido, ele vai devorar não apenas o PT.