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Nós e a normalopatia

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Para psicanalistas e psicólogos, a obsessão pela normalidade resulta numa doença, a normalopatia. Já os cientistas sociais usam a palavra para descrever uma patologia social nova, a normalização de situações que são extraordinárias, anormais, fora do padrão, para o bem ou para o mal. Trump, por exemplo, para os americanos. Aqui, o segundo turno começa bem anormal. Em condições normais, alguém vê sentido em estarmos discutindo comunismo 30 anos depois da queda do Muro de Berlim? Mas Jair Bolsonaro gastou parte de seu primeiro programa, ontem, tratando disso.

O segundo turno existe para que os eleitores possam conhecer melhor as propostas dos dois candidatos mais votos no primeiro turno. Novas alianças são formadas e os programas são ajustados à nova composição partidária da coligação. É também a oportunidade para que sejam mais debatidos pois, afinal, é com este programa que o vencedor vai governar. Nada disso promete acontecer neste segundo turno.

Os realinhamentos ocorrem para que o vencedor disponha da maioria ou da mais ampla base possível para governar. Isso não está fluindo normalmente. Os mais de 15 partidos que declararam neutralidade no fundo são aliados que Bolsonaro não quer exibir. O PTB formalizou o apoio mas, de público, ele fingiu que não viu. Afinal, foi fingindo ser outsider, e não participar “disso que está aí’, que ele arrastou 49 milhões de votos e promoveu a renovação conservadora, trocando velhos políticos por seus aliados, alguns completamente desconhecidos.

Pela esquerda, a frente democrática em torno de Fernando Haddad não saiu. Ficou restrita aos partidos da velha Frente Brasil Popular, composta por PT, PC do B, PSB e agora PSOL. O PDT e Ciro Gomes lavaram as mãos com o apoio crítico. Fernando Henrique, cujo apoio teria peso e ressonância, também vai para o exterior. Bem feito para o PT, dizem nas redes sociais, criticando a autossuficiência do partido.

A comparação programática não haverá. Bolsonaro gastou boa parte do seu primeiro programa com propaganda anticomunista. Mostrou imagens da criação do Foro de São Paulo, associação de partidos de esquerda latino-americanos, que ele apresenta como uma internacional comunista latino-americana. Este PT comunista de que Bolsonaro fala governou o país por 13 anos e não implantou o tal regime. Mas pode implantar agora, se Haddad ganhar. Os eleitores de Bolsonaro acreditam nisso, como se vê pelo que dizem nos grupos de whatsapp. Os evangélicos oram repreendendo o perigo. Os petistas, na ideologia bolsonarista ou neofascista, ocupam o lugar dos comunistas na ditadura militar. Se ele ganhar, haverá perseguição e caça às bruxas, não tenham dúvida.

Propostas de governo ele não apresentou nenhuma. A segunda parte foi a exibição do pai de família, que chorou ao falar da filha mais nova, pela qual desfez uma vasectomia. A mesma que, já disse ele, nasceu mulher porque ele deu “uma fraquejada”. Houve apenas a promessa vaga de um país melhor, com um governo “que saia do cangote da classe produtora”. Palavras como emprego, direitos sociais ou trabalhistas, educação e saúde, não apareceram no programa.

O programa de Haddad traduziu seu esforço para agregar apoios, depois de abrir com denúncia forte sobre violências cometidas por bolsonaristas de domingo para cá. O verde e o amarelo somaram-se ao vermelho, e embora os bolsominions festejem nas redes que “o PT amarelou”, as campanhas de Dilma e de Lula também fizeram uso das cores da bandeira. Em sua enorme desvantagem nas pesquisas, Haddad fez sua maior oferta, a de ser candidato não do partido, mas de todos que prezem a democracia e a justiça social. Está certo. E apresentou algumas propostas, como a do ensino médio federal e o programa “meu emprego de volta”.

Mas debate, vai ficando claro, não haverá. É a normalopatia. Eleição sem programa e sem debate.