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As horas que faltam

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Com 39% de votos válidos, segundo pesquisa Datafolha de ontem, Jair Bolsonaro precisa crescer 11 pontos percentuais para ser eleito presidente no primeiro turno de domingo. É muita coisa, o tempo é curto mas a onda a favor dele está forte. Por conta do tempo industrial escrevo antes do debate final na TV Globo. Bolsonaro não vai, mas também não perderá nada, já tendo se justificado a seus eleitores com um atestado médico. Pior para Haddad, que apanhará de todos, tendo o desafio de resgatar os eleitores lulistas, composto de pobres, nordestinos e deserdados em geral, que estão se bandeando para o candidato da extrema direita.

O que os move? Não são propostas de políticas econômicas e sociais, que ele não as tem. Falando pelas redes sociais aos nordestinos ontem, Bolsonaro prometeu manter o Bolsa Família, que ele já esconjurou no passado, eliminando fraudes. Esta promessa remove montanhas. O que empurra este eleitorado para a extrema direita ainda terá que ser estudado. Por ora, enxergamos o que está na superfície, como o antipetismo, adubado pela campanha de Alckmin e pela manobra do juiz Moro com a delação de Palocci, e a força das fake news do esquadrão bolsonarista contra a esquerda e o candidato do PT. Só não dizem que petistas comem criancinhas, como se dizia dos comunistas no tempo da Guerra Fria.

O arrastão das igrejas evangélicas está forte e ainda será preciso compreender a identificação destes eleitores – geralmente pobres e de baixa instrução – com o capitão. Não foi seu bordão “Deus acima de todos”, nem identidade política ou ideológica, strictu sensu. A demanda destas pessoas é de natureza moral e comportamental. Dizem que alguém precisa impor ordem ao país, e não se referem apenas a problemas na área de segurança, mas também à desenvoltura dos LGBTs, à fartura de personagens gays nas novelas e ao erotismo das músicas funks, que seriam nefastas aos filhos e filhas, por exemplo. O presidente da República não pode mudar a cultura mas Bolsonaro, que tem um Messias no nome, os convenceu de que dará jeito em tudo. Com bala ou com censura.

Pela ausência do favorito, o debate da Globo dificilmente será decisivo, contendo ou impulsionando as força em movimento.

Se houver chance

Esta conjungação de fatos e fatores, a partir do final de semana, produziu a onda que ontem levou Bolsonaro aos 35% de votos totais, e 39% de votos válidos. Haddad também cresceu um ponto mas na simulação de segundo turno o ex-capitão leva a melhor (44% a 43%), o que já antecipa enormes desafios para o conjunto da esquerda e das forças democráticas em geral, no segundo turno, se houver esta chance. Será preciso esquecer as feridas e formar uma frente, buscando despertar a consciência democrática. O PT terá que ter abertura e humildade.

A Constituição cidadã de 1988 faz hoje 30 anos mas a Nova República morreu, e o espírito que está solto é o da República Velha, tanto tempo depois da revolução de 1930: não há mais coronéis, mas há empresários ameaçando demitir milhares de empregados se votarem na esquerda. A justiça interfere diretamente na campanha, como fez Sergio Moro. Mentiras e calúnias campeiam nas redes sociais. Se os padres do passado ajudavam a encabrestar o voto, agora os pastores do obscurantismo evangélico tangem o rebanho. Serve emprestada a pergunta de um personagem de Vargas Llosa sobre o desvão peruano nos anos 70: em que momento foi que o Brasil se perdeu?

A verdade é que o país está a um passo de eleger, em primeiro turno, um candidato declaradamente racista, misógino e homófobo, assumidamente autoritário, defensor da ditadura e da tortura, disposto a virar a mesa se não ganhar e a aplicar-se um autogolpe para governar sem maioria parlamentar. O mundo, lá foram parece mais espantado do que nós, como na manchete do jornal francês “Liberation”, que indagava ontem sobre como foi que ele seduziu a maioria.