
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Mudar para continuar tudo como já estava
Publicado em 02/02/2025 às 07:57
Alterado em 02/02/2025 às 07:57

As trocas nos comandos das mesas diretoras do Senado e da Câmara dos Deputados, que terá desdobramentos na recomposição do Ministério do governo Lula, lembra muito a frase dita no romance “Il Gattopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, levado ao cinema por Luchino Visconti. No filme, o príncipe de Salina, Dom Fabrizio (Burt Lancaster), encoraja o sobrinho Tancredi (Alain Delon) a cortejar a filha do prefeito, o novo poder político na Sicília, a bela Angélica (Cláudia Cardinalle), com uma lapidar frase de cinismo e visão política: “É preciso que tudo mude para que tudo fique como está”. A troca do comando do Senado e do Congresso para as mãos do senador Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara dos Deputados para o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), corresponde a uma mudança de nomes nas presidências e nas respectivas mesas diretoras – saem Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL) – mas não passa de uma acomodação do poder para tudo continuar como estava. Ou seja, com o PT, que comanda o Executivo, manteria aliança com os partidos do Centrão, com algumas mudanças partidárias.
Eleito em 1º de fevereiro de 2023 com o recorde de 464 votos de um total de 513 deputados, Arthur Lira costurou pessoalmente a sua sucessão, afastando os postulantes Elmar Nascimento (União-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Antonio Brito (PSD-BA) para pavimentar o caminho da virtual candidatura única de Hugo Motta, do Republicanos, que acabou eleito com a 2ª maior votação da história:444 votos. Lira pretende manter influência na Câmara e na articulação com o governo Lula. Não à toa, também está cotado para integrar a nova composição do Ministério de Lula, Rodrigo Pacheco, que deixa a presidência do Senado, mas não o mandato que o credencia a aspirar a disputa pelo governo de Minas Gerais, o segundo colégio eleitoral do país, pode vir a substituir o vice-presidente, Geraldo Alkimin, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com possível deslocamento de Alckimin para a pasta da Defesa, no lugar de José Múcio, que quer sair. Mas as acomodações dos partidos políticos – da base aliada e da oposição – vão ser indicações importantes para a reforma ministerial de Lula com dois objetivos: melhorar e ampliar a conexão política do governo com as duas casas do Congresso e agilizar o desempenho dos ministérios onde ocorrerão troca de comandos, para o governo apresentar realizações e fortalecer politicamente a virtual candidatura do presidente Lula à reeleição em 2026.
Já disse aqui que Lula pode errar se mirar somente em 2026. Antes, precisa recuperar a popularidade do governo com a queda da inflação (que contaminou os preços dos alimentos pelo impulso da escalada do dólar). O dólar está caindo, porque Trump está sendo menos radical na imposição de tarifas de importação (o que levou à forte valorização do dólar no mundo de outubro em diante). E saber trabalhar a opinião pública com os resultados da supersafra de grãos (que começa a ser colhido este mês e pode reverter a alta dos alimentos). Em 2022, houve quebra das safras brasileiras e a invasão da Ucrânia pela Rússia encareceu os preços dos combustíveis e dos alimentos. Para uma inflação de 5,79% (só não foi de dois dígitos porque Paulo Guedes cortou impostos federais e estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações), os preços dos Alimentos e Bebidas subiram 11,64% (outro fator que custou a reeleição de Lula). Em 2023, no primeiro ano do Lula III, os preços dos Alimentos e Bebidas subiram apenas 1,03% com as supersafras e seguraram a inflação em 4,62%. No ano passado, a alta de 7,69% dos Alimentos e Bebidas (8,22% dos Alimentos em Domicílio), muito acima da inflação do IPCA (4,83%), afetou a popularidade de Lula. A colheita agrícola e uma campanha sobre seus efeitos benéficos, pode ser a melhor colheita para 2026.
No mais, quem traduziu, em bom português, o espírito refinado de Dom Fabrizio, foi o experiente senador paraense Oriovisto Guimarães, que trocou o Podemos pelo PSDB. Em entrevista à GloboNews neste sábado, sintetizou a dança das cadeiras nas mesas diretoras das duas Casas do Congresso que retomavam as atividades após um longo recesso, emendado pelas férias de janeiro, desde 20 de dezembro. Disse Oriovisto: “Vai continuar tudo como sempre foi”. Ou seja, o Centrão será a noiva cobiçada novamente para garantir os interesses do governo, fazendo parte de algumas pastas do Executivo. Acontece que tem um partido de olho na dança das cadeiras até 2026: o PSD de Gilberto Kassab.
Queda do dólar e do déficit encolhem a crise
Um dos principais sintomas da febre que debilitou a economia brasileira no ano passado, a escalada do dólar, que atingiu o recorde de R$ 6,3144, em 17 de dezembro e empurrou os preços dos alimentos transacionados com o exterior às alturas, está revertendo desde a posse de Donald Trump, em 20 de janeiro. Como Trump preferiu esperar para retaliar os países com aumentos de tarifas de importação (as primeiras vítimas foram o Canadá e o México, parceiro no Nafta), o real se recuperou e fecha o primeiro mês do ano com valorização de 5,89% frente ao ano. Desde o pico do dia 17 de dezembro, o dólar já caiu 7,6% ante o real. O Banco Central está concentrando a batalha de reversão das expectativas na taxa de câmbio. A crise está ficando bem menor do que o alardeado e influenciou nas avaliações negativas do governo. Falar na baixa do dólar ajudaria a esfriar a especulação com alimentos. A nova safra começa a ser colhida em fevereiro e tende a derrubar os preços.
Mas a imprensa, que fazia alarde diário das altas do dólar (num dia em que chegou a R$ 6,30, mas fechou em queda a R$ 6,15, as manchetes eram o pico de R$ 6,30, não o fechamento em baixa a R$ 6,15). Ao contrário, faz-se um alarde do recente aumento do diesel (em vigor desde sábado), com o acréscimo das alíquotas do ICMS derrubadas eleitoralmente por Bolsonaro em 2022 sobre a gasolina e o diesel). O correto seria destacar que, se estivesse em vigor o famigerado sistema de PPI (Paridade de Preços Internacionais) adotado em 2017, no governo Temer, e não o abrasileiramento dos preços, com uso mais intenso do petróleo mais leve do pré-sal (extraído a baixo custo pela Petrobras) nas refinarias da estatal, com a escalada do dólar, a inflação estaria rodando na faixa de 7% ao ano e não variando entre 4,50% e 4,70%. Com o último reajuste, a taxa em 12 meses deve saltar para a faixa de 5%, mas com o PPI, já estaria dois pontos acima. Está na hora de a imprensa mostrar que os preços internacionais (como os do petróleo, das carnes e do café) estão desacelerando. Isso ajuda o consumidor a barganhar preços nos mercados e feiras.
Do mesmo modo, depois de um enorme alarde sobre o suposto desequilíbrio fiscal – que estaria, na versão de uma parte do mercado financeiro que apostou firme na alta do dólar e dos juros, na base da desconfiança sobre o real -, o governo divulgou o balanço das contas públicas no ano passado. Nos últimos três meses do ano – ao contrário da voz corrente no mercado – as despesas cresceram menos que as despesas (em dezembro, houve saldo primário - receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida pública). Em dezembro, o superávit primário foi de R$ 15,7 bilhões no setor público consolidado, contra déficit de R$129,6 bilhões no mesmo mês de 2023, quando os pagamentos dos precatórios, caloteados pelo governo Bolsonaro desde 2021, somaram R$ 92,4 bilhões. Com a compressão nos gastos nos últimos meses, o déficit final consolidado foi de apenas R$ R$ 47,6 bilhões (0,40% do PIB), ante déficit de R$ 249,1 bilhões (2,28% do PIB) em 2023 (causado pela zeragem de contas a pagar deixadas por Bolsonaro e pelos R$ 92,4 bilhões dos precatórios. Teve razão o presidente Lula de ironizar o pessimismo do mercado financeiro.
As surpresas que vêm da China
Sempre brinquei com o avanço da Inteligência Artificial, dizendo que ela poderia ser imbatível diante da “burrice natural”. Pois não é que a pequena DeepSeek, não apenas mostrou que nem todas as IAs são tão inteligentes, assim como suas atividades podem ser feitas com custos bem mais baixos. Ao anunciar na segunda-feira, 27 de janeiro, a descoberta de um modelo de inteligência artificial eficiente, mas com um custo de desenvolvimento de apenas US$ 5,6 milhões, contra o padrão de US$ 100 milhões das gigantes da tecnologia dos Estados Unidos, a pequena chinesa DeepSeek, criação do misterioso Liang Wenfeng, não abalou só o Vale do Silício e o valor de mercado de gigantes do IA, como a Nvidia. Jogou por terra uma das premissas do mote que elegeu Donald Trump com o voto orgulhoso e esperançoso dos seus eleitores, que acreditaram na promessa “Make America Great Again”.
A ideia da superioridade americana que move o MAGA de Trump e o expansionismo moderno do “Tio Sam” no Canal do Panamá, na Groelândia e Golfo do México, rebatizado de Golfo da América, foi derrotada no primeiro embate com a China no campo da Inteligência Artificial. A partir das políticas oficiais anteriores para conter a inovação chinesa no fornecimento de chips, que se estendia a Taiwan (grande produtor que a China ambiciona reconquistar como “província rebelde”), Trump considerava o campo da IA como vital. Uma derrota tão chocante quanto a do gigante Golias, abatido pela funda de Davi. Os inconformados americanos querem acusar a DeepSeep de pirataria, estratégia para tirar os concorrentes chineses de circulação. E Trump decretou taxações de 25% contra produtos mexicanos, das quais não escapou nem o abacate, e canadenses (alívio só para as fontes de energia, taxadas com 10%, nível aplicado à China).
É uma tradição comum no Vale do Silício que nenhuma empresa tem um fosso maior do que a Nvidia, a fornecedora dominante de chips para inteligência artificial (IA) do mundo. Isso era verdade até 27 de janeiro, quando uma empresa chinesa chamada DeepSeek, com um modelo de IA de versão barata, abriu um buraco de quase US$ 600 bilhões no valor da gigante dos semicondutores, marcando a maior perda de um dia na história do mercado de ações dos Estados Unidos. Pense nisso como o equivalente do século 21 a um tiro de trabuco, a engenhoca medieval capaz de reduzir as paredes de um castelo a escombros. As defesas da Nvidia finalmente foram violadas?
Com o lançamento de seu mais recente modelo de inteligência artificial (IA), a revista “The Economist” assinala que a DeepSeek, uma obscura empresa chinesa, devastou vários anos de política americana destinada a conter a inovação chinesa — e, no processo, abriu um buraco nas avaliações de empresas, da Nvidia, campeã de chips de IA da América, à Siemens Energy, fabricante de equipamentos elétricos usados em “data centers”. Ao demonstrar sua capacidade de inovar em torno das restrições de exportação americanas, a DeepSeek levantou dúvidas sobre se o acesso a pilhas de semicondutores de ponta e equipamentos relacionados é tão importante quanto se pensava anteriormente quando se trata de treinar modelos de IA”. Uma empresa chinesa pouco conhecida, a DeepSeek, enviou ondas de choque pelo Vale do Silício e abalou os investidores quando lançou um novo modelo de IA que parece ser comparável aos melhores modelos treinados por empresas como OpenAI e Meta. A diferença é que o modelo da DeepSeek foi criado a um custo muito menor e sem chips de última geração.
Para a Goldman Sachs Research (GSR), “o lançamento de um punhado de novos modelos chineses de inteligência artificial generativa, que supostamente custam menos para construir do que outros modelos, causou ondas de choque no setor de tecnologia. O preço das ações de uma cesta de ações relacionadas à IA nos EUA caiu 10% nos dois primeiros dias desta semana. O desenvolvimento destaca a grande quantidade de capital que foi investido em IA por gigantes da tecnologia, bem como o investimento que será necessário para escalar a tecnologia daqui para frente, de acordo com a Goldman Sachs Research. Embora leve tempo para responder a essas perguntas, há sinais de que os desenvolvimentos na China podem reduzir o custo de execução de aplicativos de chatbot de IA e torná-los mais amplamente disponíveis, diz Ronald Keung, chefe da equipe de internet da GSR na Ásia.
"O que está claro para nós é que a redução do custo dos modelos de IA levará a uma adoção muito maior, pois tornaria os modelos muito mais baratos de usar no futuro", diz Keung. "Alguns desses modelos chineses levaram a indústria a se concentrar não apenas em aumentar o desempenho, mas também em reduzir o custo”. Keung ressalta que as equipes da GSR nos EUA e na China "esperam que este ano seja o ano dos agentes e aplicativos de IA" em meio à crescente adoção da tecnologia. À medida que os custos diminuem e os modelos de IA se tornam mais inteligentes, diz Keung, podemos estar um pequeno passo mais perto de uma eventual inteligência artificial geral, que é uma IA que exibe excelência em todos os campos humanos do conhecimento.
Vale lembrar que as matrizes americanas, alemãs, japonesas, francesas e italianas, quando mudaram linhas de produção para a China, imaginavam nadar de braçada com os custos de mão de obra, juros e impostos bem mais baixos fixados por Pequim. Mas o feitiço virou contra o feiticeiro e um dos espertos que foi engolido pela temperança chinesa foi Elon Musk, com sua fábrica de carros elétricos Tesla. Ele transferiu a linha de produção da Califórnia para o Império do Meio. Mas os chineses, que formam muito mais engenheiros que os Estados Unidos, apreenderam como se fazia e fizeram carros elétricos melhores e mais baratos, com automação mais eficiente das fábricas. Musk se aliou a Trump para taxar os produtos chineses e pedir incentivos para a fábrica da Tesla no Texas. Será que os barões do Vale do Silício vão querer o mesmo? O fato é que a suposta supremacia americana foi atingida na largada no seu orgulho.