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Ir ou não ir pro brejo (mangue)

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Dá vontade de rir ouvindo o presidente Jair Bolsonaro dizendo que “acabou com a Lava-Jato porque não tem corrupção no seu governo”. O colunista Merval Pereira lembrou em "O Globo" que logo no segundo ano do primeiro governo Lula o seu chefe da Casa Civil, José Dirceu (o “capitão do time” do PT), dizia, em alto e bom som, que “o governo do PT não rouba e não deixa roubar”. Era parcialmente verdade. Como o PT nunca fora governo, não estava envolvido em “maracutaias”, como gostava de dizer o ex-presidente (pelo menos conhecidas do grande público). A história mostrou que os primeiros prefeitos petistas em São Paulo se envolveram em corrupção quando passaram a comandar os erários de Ribeirão Preto (Antônio Palocci) e Santo André (Celso Daniel, vítima de um assassinato até hoje não 100% esclarecido).

Enquanto José Dirceu dizia platitudes após costurar apoios ao governo no Congresso através do que veio ser apurado no “mensalão”, com alianças ao PL de Waldemar Costa Neto, ao PP de Paulo Maluf e ao PTB de Roberto Jefferson, cujo presidente (o senador paranaense José Carlos Martinez) selou a aliança presenteando Dirceu com um relógio de ouro. Após sua morte e a substituição pelo deputado Roberto Jefferson, que denunciou o mensalão e rompeu com o governo, descobriu-se que o Rolex era falsificado e apenas folheado a ouro, e que nas sobras o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o secretário-geral do partido, Silvinho Pereira, tramavam o início do petrolão. Então, a moeda de suborno era um LandRover, que Silvinho ganhou para intermediar o contrato de uma empreiteira. Depois, era uma frota de veículos...

O governo Bolsonaro tem pouco mais de 20 meses e, de fato, não se tem notícias de grandes corrupções. Na Petrobras, quase duas dúzias de empreiteiras estão proibidas de operar e o ”modus operandi” mudou. Nenhuma grande licitação deslanchou (processo viciado se descobre depois). Seria prematuro jurar que não tem e não haverá corrupção de grande e média monta, pois o histórico da família Bolsonaro (pai, filhos e as três mulheres que com ele casaram) já foi acusado de pequenos atos de corrupção. Peculato (que é o desvio do dinheiro público) caracterizado nas rachadinhas de salários de auxiliares nomeados para o gabinete (alguns sem jamais bater ponto) foi o mínimo que apareceu até agora.

Mas parece claro que a intenção de desvalorizar a Lava-Jato, que sob o comando do Ministério Público do Paraná e as duras sentenças do então titular da Vara Federal de Curitiba,  juiz Sérgio Moro, descobriu o maior escândalo de corrupção empresarial envolvendo a Petrobras, com apoio velado (pela omissão) dos governos Lula e Dilma, tem por objetivo quebrar o mito do ex-ministro Sérgio Moro, um virtual candidato à Presidência em 2022. Mito, só pode existir um - Jair Messias Bolsonaro. A intenção de apagar o nome de Sergio Moro da historia é semelhante ao que se fez com o Campo de Lula na Bacia de Santos.

Originalmente, o campo de produção de petróleo e gás no pré-sal, descoberto em 2006, se chamava Tupi. Em 2009, quando no fim do segundo mandato de Lula foi batizado com esse nome (alegando-se que era a Lula molusco (desde a Bacia de campos, os nomes de campos e poços são de criaturas do mar - peixes, moluscos e crustáceos). Uma ação popular derrubou o epíteto de Lula, e o campo, que voltou a ser Tupi, deve perder para Búzios o título de maior do país.

A história não se apaga. E quando se procura reescrevê-la, vem como farsa. Vejam o caso de Adhemar de Barros, que governou duas vezes São Paulo e nunca conseguiu se eleger presidente porque tinha fama de ladrão. Certo dia, num palanque, bradou com a maior cara-de-pau: “Neste bolso nunca entrou dinheiro de corrupção”. Pois um ouvinte atento ao comício emendou em alto som: “Terno novo, hein, governador”.

Diante da voz corrente, Adhemar não ligava se falassem que seu estilo era o “rouba, mas faz”. Décadas depois, cara de pau assumido, Paulo Maluf praticamente adotou o slogan...

Mas o que tem o título da coluna a ver com o que li até aqui? - perguntará o leitor que teve paciência. Queria falar de mais uma “boiada” que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez passar nas nossas barbas. A revogação da exploração de restingas e manguezais. Peco-lhe um pouco mais de atenção.

Há pouco mais de duas semanas, vi um interessante documentário no Discovery sobre os esforços de cientistas e ecologistas, apoiados por um empresário que resolveu investir pesado, junto a uma ONG, num projeto de reflorestar as restingas em torno de Nova Orleans, cuja vegetação foi destruída pela salinização das águas do mar trazidas pelo furacão Katrina, em 2005.

Estudos científicos provaram que a vegetação de mangues tem maior capacidade de capturar gás carbônico, limpando a atmosfera até mais que a floresta Amazônica. Por isso, o projeto era uma experiência de espalhar sementes de avião e helicóptero, com espaçamento necessário para recriar a floresta. Depois de várias tentativas com avião, optou-se por uma frota de helicópteros. Quando os seis avançaram sobre a restinga, que parecia um paliteiro (com os troncos das árvores que morreram), para despejar a carga, lembrei de cenas de ”Apocalipse Now”, só que agora faziam o bem.

O mal foi feito por Ricardo Salles quando revogou legislação que dava ao Ibama e ao ICMBio condições de vetar projetos. Muita gente acha que a abertura da porteira visa a apenas a facilitar projetos turísticos e imobiliários ao longo da imensa costa brasileira, incluindo cassinos, quando o governo conseguir a liberação do jogo. Ou que facilitaria a ação dos criadores de camarão ao longo do litoral do Nordeste e do Rio de Janeiro.

Isso também está nas intenções de Salles. Mas a grande boiada será a ocupação dos manguezais com os novos projetos de portos (grandes portos, por sinal) que estão na pasta do ministro da Infraestrutura Tarcisio de Freitas. Há projetos de novos portos no litoral do Maranhão e nas zonas ribeirinhas do Pará, no Ceará, no Rio Grande do Norte (novo porto de Natal), em Pernambuco, onde o porto de Suape e a refinaria Abreu e Lima (que arruinou as finanças da Petrobras) invadiram mangues, em Alagoas, na Bahia (sobretudo em Ilheus, onde um grande porto absorveria a exportacao de minérios e se soja e algodão trazidos pelas ferrovias FICO e Fiol), na costa do Espírito Santo. No Rio de Janeiro, toda a área de Mangaratiba, Angra dos Reis e Parati estaria ameaçada. Em São Paulo, teme-se a expansão de São Sebastiao, bem como da criação de uma alternativa a Santos mais ao Sul.

Eike Batista, que se viu arrolado em acusações de corrupção, apresentou um projeto para a área, para exportar grãos e minérios por ferrovia. Mesmo alegando que o berço de atracação ficaria a quatro quilômetros da costa, o ponto crítico a ser atravessado era a reserva da Juréia. Eike, então, foi obter licenças rápidas nos governos de Minas e no RJ (Sérgio Cabral) para fazer o grande projeto do Porto do Açu – o mineroduto que atravessa vários municípios mineiros e alguns fluminenses, até São Joao da Barra. Em crise, com o naufrágio da OGX, Eike vendeu a parte de minério para a Anglo American e o porto para a Prumo Logistica. Mas tudo vai melhor do que ele sonhava. É o melhor projeto do estado e do Brasil.

No Paraná, há projetos para expandir o porto de Paranaguá, que carece de bons acessos por mar (calado precisa se aprofundado, mas há uma pedra no caminho dos navios) e por terra (a centenária ferrovia Curitiba-Paranaguá era suficiente para o café, mas não dá conta da soja e outros produtos).

Santa Catarina também sonha com o novo porto de Balneário de Barra do Sul, no Norte do Estado, próximo a Joinville, que concorreria com o Porto de São Francisco, mais no interior. Facilitar grandes projetos, passando por cima da legislação ambiental, não deixa de ser uma grande corrupção. Mais do que isso, é a opção (ou o conformismo) do Brasil em ser mero exportador de matérias-primas e commodities. Mas sujeito a restrições dos países europeus, Japão e até Estados Unidos, se os democratas voltarem ao poder.

Aí, leitor, a vaca terá ido para o brejo em vão.