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Mudanças no STF e no Brasil sem Celso de Mello

Pelas normas vigentes na ocasião de sua posse, Celso de Mello teria de se aposentar em novembro de 2015. Mas houve a emenda 80

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Com a aposentadoria antecipada do ministro José Celso de Mello Filho, no próximo dia 13 de outubro, o Supremo Tribunal Federal terá a mais marcante mudança desde a promulgação, em 5 de outubro de 1988, da Constituição Federal, da qual é o intérprete e guardião. Celso de Mello completaria 75 anos, a idade limite para permanecer na Suprema Corte, em 1° de novembro. Pelas normas vigentes na ocasião de sua posse numa das 11 cadeiras do STF, em 17 de agosto de 1989, aos 43 anos, menos de um ano após a vigência da “Constituição Cidadã”, teria de se aposentar em novembro de 2015.

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Celso de Mello (Foto: Nelson Jr./STF)

Mas a Emenda 80 na Constituição, de 2015, ampliou de 70 para 75 anos a idade máxima de permanência em cargos públicos vitalícios. Isso mexeu não só com a composição do STF (e do Tribunal Superior Eleitoral, que escolhe três dos 11 membros do Supremo para exercer a missão em caráter rotativo). A mudança também retardou o rodízio nos demais Tribunais superiores (STJ, TST, STM), e tribunais regionais federais, e nos colégios de desembargadores dos tribunais de Justiça dos Estados. A tardia elevação da idade limite no serviço público (a expectativa de vida média do brasileiro já vinha crescendo desde a virada do século XXI e atualmente está em 76,7 meses), nos privou do saber dos ministros Ayres Britto e Cezar Peluso, aposentados em 2012, aos 70 anos. Em contrapartida, nos deu mais cinco anos de sabedoria e ensinamentos do decano do STF, Celso de Mello, que será o recordista de permanência numa das 11 cadeiras do STF, com 31 anos e 57 dias (17.08.1989 a 13.10.2020).

Indicado pelo presidente José Sarney, de cujo governo foi assistente do Consultor Geral da República, Saulo Ramos, Celso de Mello participou ativamente das negociações da Constituinte. Por isso, mais que interpretar a Constituição como o decano do Supremo, estava enfronhado na gênese de cada capítulo e de cada item dos 250 artigos da Constituição Cidadã. Sua última missão é obter que os colegas aprovem o interrogatório presencial do presidente Jair Bolsonaro sobre as alegadas interferências na Política Federal feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

O novo decano, Marco Aurélio de Mello, indicado por seu primo, o presidente Fernando Collor de Mello, em 13 de junho de 1990, completa 75 anos em 13 de julho de 2021. Oriundo da Justiça do Trabalho, não deve bater a marca de Celso de Mello, que superou ministros longevos na história do STF, como Barros Barreto, André Cavalcanti e Luís Gallotti. Criado em 1890, na República, o Supremo Tribunal Federal sucedeu ao Supremo Tribunal de Justiça, do Império. Nasceu com 15 membros indicados pelo marechal Deodoro da Fonseca. O marechal Floriano Peixoto renovou os nomes indicados por Deodoro.

Cada presidente tentou moldar o STF com indicações de juristas amigos ou da mesma linha política. Por ter ficado mais tempo no poder (1930-45) e de 1950-54), Getúlio Vargas foi o recordista em nomeações (21). Só presidentes de curto mandato como os vices Café Filho (1954-55) e Itamar Franco (novembro de 1992 a dezembro de 1994) e os presidentes das Câmaras que ocuparam a presidência não fizeram indicações. O ex-presidente Michel Temer (abril de 2016 a dezembro de 2018) indicou Alexandre de Moraes.

O STF chegou a ter 16 membros. Foi em 1965, quando a ditadura militar, para reduzir a influência dos ministros indicados por Juscelino Kubitschek e João Goulart, ampliou de 11 para 16 o número de cadeiras. Em janeiro de 1969, após o recesso do Judiciário e já usando o AI-5, de 13 dezembro de 1968, o governo do marechal Costa e Silva joga mais pesado e aposenta compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal. Solidário, Antônio Gonçalves de Oliveira renunciou. Ainda em 1969, Lafayette de Andrada pede aposentadoria em protesto às medidas de exceção da junta militar. Com os expurgos e a composição favorável de votos, o governo, já sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, decide manter o STF com 11 membros, número vigente até hoje.

É curioso que as mudanças do STF e da Suprema Corte dos Estados Unidos ocorram quase ao mesmo tempo. Nos EUA, a Corte tem nove membros, com mandatos vitalícios, ou enquanto estiverem em perfeitas condições de saúde física e mental. Com a morte em setembro da liberal juíza Ruth Bader Ginsburg, o presidente Trump, que já indicara dois outros juízes, não perdeu tempo e indicou, antes da eleição de novembro, a juíza conservadora Amy Coney Barrett, mantendo a divisão de seis homens e três mulheres.

O divisor de águas é a questão do aborto (defendido como legal, em determinadas circunstâncias, por Ginsburg, e condenado por Barret). Se o Congresso aprovar a indicação, Trump terá feito um terço dos juízes e garantido um perfil ultraconservador à Corte Suprema. Duas juízas foram indicações de Barak Obama, um de Bill Clinton (pelos democratas), dois de George W. Bush e um de George Bush (pai), mas nem sempre os juízes indicados pelos republicanos agiram na linha ultraradical preconizada por Trump. Com Biden liderando as pesquisas, o Senado, de maioria republicana, reluta em apreciar a indicação antes do resultado das urnas. Vale lembrar que a Constituição americana, com apenas sete artigos e vinte e sete emendas, é a mais curta Carta em vigor. Lá a importância da Suprema Corte é bem mais incisiva do que no Brasil, porque os julgamentos da Corte Americana podem inscrever capítulos na Constituição, como as 27 emendas.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro, que tinha prometido nomear um “ministro tremendamente evangélico” para a vaga de Celso de Mello, surpreendeu ao indicar o desembargador da 1ª Região da Justiça Federal, Kássio Nunes. Advogado, piauiense, de 48 anos, Nunes, referendado pelo senador do Centrão Ciro Nogueira (PP-PI), tinha jurisdição sobre os estados da Amazônia (AC, AM, PA, RO, RR e AM), além de Tocantins, Maranhão e Piauí e a parte dos estados do Centro-Oeste (Mato Grosso, Goiás e Brasília). Exceto no Maranhão, Pará e Piauí, que preferiram Fernando Haddad, Bolsonaro ganhou em toda a área de influência da 1ª Região. A escolha deixou os pastores evangélicos mais radicais, como Silas Malafaia, indignados, a ponto de classificar Kássio Nunes como petista, por ter sido nomeado para a 1ª Região no governo Dilma (de quem Ciro Nogueira era também aliado). Vão ter que orar e esperar até julho do ano que vem...

Importante sublinhar que, desde o ingresso de Celso de Mello no STF, não mudaram apenas a composição e o perfil da Suprema Corte com a ampliação do tempo de jurisdição de cada ministro. O próprio país mudou muito e o excesso de detalhes da Constituição Cidadã, que tentou explicitar em excesso nos seus 250 artigos a vida nacional, como que para passar uma borracha no excesso de autoritarismo e arbitrariedades do regime militar, exige sucessivas emendas na Carta, através das famosas PECs (Propostas de Emendas Constitucionais), algumas com aprovação de 3/5 dos votos da Câmara e do Senado.

Se nossa Constituição fosse curta e genérica como a americana, teríamos menos problemas, dizem os liberais e os responsáveis pela área econômica. É parcialmente verdade. Mas cabe lembrar que as injustiças e manifestações racistas dos supremacistas brancos sacudiram o país mesmo ainda sob parcial isolamento após a morte brutal de George Floyd, por um policial branco, em Mineápolis (Minnesota), com casos subsequentes, mostram que lá e aqui há muito o que avançar na igualdade de direitos, na educação e na cidadania.

Do ponto de vista de mudanças da economia, o IBGE (em 1º de outubro) e a Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis (ANP), no dia seguinte, mostraram como o Brasil mudou no período em que Celso de Mello destilou sabedoria pelo Supremo. No levantamento sobre a produção agrícola dos municípios brasileiros em 2019, ficou claro a supremacia dos municípios de Mato Grosso como os maiores celeiros do Brasil em soja, milho e algodão, superando estados tradicionais como Paraná e Rio Grande do Sul.

Com áreas bem maiores do que no RS e PR, muitos agricultores venderam suas terras e foram desbravar o cerrado em MT, Mato Grosso do Sul, Goiás, e o chamado MaToPiBa (o sul dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí, e o Noroeste da Bahia). O município de Sorriso (MT) virou o maior produtor de soja e de milho do país (a lavoura é plantada logo após a colheita da soja). Sapesal, no MT, é o maior produtor de algodão, que também faz rodízio com a soja e tornou São Desidério (BA), o 2º produtor e líder em produtividade do país. Isto explica a mudança política nestas regiões. Há soja em Rondônia e no Pará, mas os municípios produtores não entram na lista dos 100 maiores. O governo devia trabalhar melhor isso em vez de dar murros em ponta de faca na inegável questão ecológica.

Com a ajuda do Auxílio Emergencial (que deve virar o Renda Cidadã/Renda Brasil em 2021 substituindo o Bolsa Família), e da maior pressão da água do São Francisco para o semiárido nordestino, numa obra iniciada por Lula, tocada por Dilma e Temer (que inaugurou a primeira estação em Pernambuco no fim de 2018), o presidente Jair Bolsonaro sonha em manter o aumento da aprovação de seu governo em áreas antes dominadas pelo PT, que tinha a paternidade do Bolsa Família.

Outra mudança importante foi o avanço do pré-sal da Bacia de Santos que produziu em agosto 70,7% do petróleo nacional. Quando a Constituição era redigida, o Brasil dependia dos poços da Petrobras na Bacia de Campos. Hoje, os 30 maiores campos de petróleo do país estão na Bacia de Santos (a maioria ainda na plataforma do Estado do Rio de Janeiro). No acumulado da produção nacional, dois campos da Bacia de Santos se destacam pela ordem: o líder Tupi, descoberto em 2006, que virou Lula em 2010 e voltou a ser chamado de Tupi em setembro, por decisão judicial, Búzios (a grande aposta da Petrobras) e Sapinhoá, também na BS. Os campos de Jubarte e Roncador, na Bacia de Campos, ficam em 4º e 5º lugares em produção acumulada.

É importante ter isso em mente, pois caberá ao STF decidir, dia 20 de novembro, a repartição dos royalties do petróleo, aprovada em 2012 e que Dilma usou para garantir votos à sua eleição no Norte e Nordeste, prometendo mais recursos para a educação municipal. Nesse meio tempo, o preço do barril despencou da faixa superior a US$ 110 para menos de US$ 40.

Nelson Jr./STF - Celso de Mello