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Privatizar ou não

Ministros do passado que estiveram na cadeira de Guedes também achavam que se tratava de uma boa ideia

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Naquela famosa e tumultuada reunião ministerial de 22 de abril, na qual o presidente Bolsonaro havia exercitado com maestria uma coleção de palavrões, ficou clara certa intervenção do ministro da Economia, embora pouco explorada depois, ao garantir que, no contexto do programa da desestatização, o Banco do Brasil “estava prontinho” para ser privatizado; o que naquela hora não sofreu contestação, nem do presidente. Quem viu e ouviu Paulo Guedes sentiu que, com base na segurança de tal informação, o governo já havia esgotado avaliações dos pontos favoráveis para desvencilhar-se da principal instituição financeira que o país preserva desde os idos de Dom João VI. Ministros do passado que estiveram na cadeira de Guedes também achavam que se tratava de uma boa ideia, por considerar que o banco deixou de ser do Brasil para ser apenas dos funcionários e dos políticos. Mas preferiram passar ao largo e escapar dos ataques dos estatizantes, quase sempre violentos.

Ocorre que, há poucas horas, o homem que comanda o governo e é o chefe do ministro veio a público para anunciar que o banco, onde a União detém 59% do capital, está fora de cogitação nas intenções da campanha de privatização e do programa cuja meta é desonerar o poder público. Se disse e repetiu, é porque há um contraditório, ou mesmo conflito, entre pareceres técnicos e políticos. Do resultando ficou a dúvida que, em rigor, devia ser dirimida com base numa discussão entre especialistas; não apenas os homens do governo. Nenhuma dificuldade em convocá-los. Bastaria lembrar que o presidente da República e seu ministro da Economia pontificam divergentes quanto ao destino da principal organização bancária da América Latina.

Bolsonaro confessa algo que alguns de seus antecessores já haviam dito. Não é fácil privatizar, embora em alguns casos, teoricamente, é bom negócio remover das costas estatais o ônus de certas empresas e instituições, principalmente quando estão condenadas a se prestarem ao papel de hospedeiras de castas altas do funcionalismo ou das cotas de apaniguados do poder. Não fossem os desvios dessa natureza, talvez a União não tivesse tanta pressa em desligar-se da Rede Ferroviária e da Vale do Rio Doce, onde a iniciativa privada desembarcou, ceifando e enxugando, sem ter de se submeter a cuidados políticos. Mas, por hora, a gestão bolsonariana parece disposta a limitar-se a privatizações que se livrem do clamor de servidores; esses que quase não são ouvidos, por exemplo, nos aeroportos e nas rodovias, que vão correndo rapidamente para consórcios privados.

Veio o novo governo, inflado e ungido pelas urnas de 2018. A partir de então, adeptos do chamado “estado mínimo”, quer dizer, os conscientes de que o poder público deve atuar apenas onde o interesse direto das populações sobrepõe-se ao lucro, logo passaram a devotar especial esperança no governo Bolsonaro, depois de uma quadra em que desvencilhar-se do incômodo não foi ideia primordial dos governos do Partido dos Trabalhadores. A esperança se consolidaria quando o presidente anunciou que assuntos econômicos e financeiros eram com Paulo Guedes, reconhecidamente privativista. No jogo dos contrastes entre PSL e PT, que ainda se respiram das urnas, os novos dirigentes pareciam dispostos a calar os ânimos sindicalistas e o corporativismo petista; e, de resto, sepultar antigas intenções do Conselho Nacional de Desestatização, que o país havia herdado de Fernando Henrique, a quem se atribuíam maldades de um neoliberalismo que, sob a ótica científica, nunca houve. Esperavam muito das privatizações, mas hoje os que tratam do papel do estado – máximo ou mínimo - sentem apenas que Bolsonaro às vezes tem avançado, mas em outras recua, revelando-se não suficientemente convencido de que é preciso desamarrar a gestão pública de todas as coisas onde o empresariado pode se sair melhor.

Com ou sem Bolsonaro dúvidas há, certamente. Uma delas, a que mais diretamente precisa ocupar atenções da população, é que o estado não tem preservado para si uma responsabilidade que sempre lhe coube, de exigir das empresas que o sucedem o cumprimento dos deveres de interesse comum; o governo não tem se adequado para impor o cumprimento das cláusulas contratuais que garantam as contrapartidas. A BR-040, essa que liga Rio a Brasília, está aí para confirmar. A variante da Serra de Petrópolis não saiu do papel, e o governo nunca se sentiu forte para exigir ou punir, independentemente de quem estivesse na Presidência da República. É apenas um caso entre muitos que há.