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Para a vitória da esperança

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Os que trabalham com arte costumam ficar especialistas em canções, palavras, livros, aulas, peças que salvam vidas, ou claream enigmas. Ainda que não queiramos é função da arte. No meio do centro oeste brasileiro, pós peça, uma menina negra ficou até o final na fila de autógrafos para ser a última e me dizer: “Só quero um abraço, você salvou minha vida hoje, eu ia me matar depois do espetáculo”. Nunca mais se mate, você é linda, uma rainha. Já nos matam tanto! Há tanto nos matam de várias maneiras. Sobreviver é nossa revolução, eu disse. Agora é hora de a gente botar a arte na vida, e todo ser tem um pouco de arte no peito. Escrevo no metrô. A sanfona de um músico, alegria do vagão na tensão do ar. Está em jogo a liberdade, o direito à vida, o direito à diversidade. Isso não é brincadeira não!

No voto, decidiremos se queremos ou não viver numa pátria que autoriza a morte dos próprios filhos. Um país é seu povo, e o nosso, adolescente de uma jovem democracia, certamente não escolherá um governo que não vai querer saber dos pobres. Se o país eleger mais violência estará apontando um gatilho no espelho, tá ligado? Sabe aquele vizinho que não gosta de você? Aquele colega do seu filho que sempre se julgou inferior? Aquele marido gente boa que só se descontrola quando bebe, e bebe sempre? E a sua mulher que é nervosa e descobriu o seu caso com a secretária? E o motorista daquele carro que não gostou nada da fechada que você deu? Pois é, imagine eles armados.

Negra, tenho parentes, amigos, enfim, amores gays, trans. Gente cuja natureza tem direito à vida como qualquer um e não posso votar em quem acha que o indígena atrapalha o desenvolvimento! No primeiro turno, ouvi dizer: “Vou votar naquele merda”, e pensei: Vai eleger um merda? Se o presidente é o seu representante é assim que você se vê? O Brasil que está em jogo é o que queremos oferecer aos nossos filhos e pelo qual lutamos muito. Provei da ditadura, não foi uma historinha que me contaram e o bagulho é doido. Se fosse agora eu nem poderia escrever isso. Pessoas foram assassinadas pelo Estado, intelectuais silenciados e pagamos o preço alto de uma educação com asas podadas. Vamos juntos todos que querem construir a paz sem a guerra, reforçar nossos coletivos. Nos encontremos nos bares, nas redes, nas casas. O índio e o negro não vão à luta sem tambor.

Tudo que não podemos agora é perder as forças e nos isolar. Agora é hora de obedecer aos poetas. Os que desde o princípio da palavra as ofertam em prol da justiça no mundo. São amorosos. Agora é hora de empunhar uma canção e fazer uma super nutrição de esperança. O medo e a desesperança não são ingredientes recomendáveis nesta fase da batalha. Em tudo há o tempo de estio. Não é esse. Urge que não poupemos esforços, ainda que cautelosos, para decidir pela paz no fim do mês. Não existirá um cercadinho feito só para o país de quem votou de um lado ou do outro. É um país só. E se entendo um pouco da vida, nunca vi projeto individualista que não considere a igualdade entre os homens e a vida cidadã ao alcance de todos produzir paz.

Nem é preciso ser cientista para ver que quem não está na escola está no crime ou na cadeia. O que faz a paz é o fim da injustiça, a igualdade de condições num jogo onde uma classe indiferente vêm acumulando riqueza e provocando a miséria de muitos. É matemático. Vamos precisar de todo mundo; não é de um partido ou outro, é de vida e de morte que estamos falando. Em todos os cantos do país há gente disposta a trabalhar amorosamente pelo diálogo, pelo poder das palavras. Não somos poucos e nossa roupa também é a bandeira brasileira. Vamos usar nossa munição de alegria, de força, de palavras afirmativas que potencializem as coragens para a dieta deste tempo e vamos dar o que temos de melhor. Não há como brotar o mal dessa semente. A luta pela vida exige que estejamos despertos, acordados e de pé agora. Não será a primeira vez que a esperança vencerá o medo. Por isso, entre a bala e a caneta, eu escolho a caneta.