Os católicos, que ainda continuam sendo a maioria dos cristãos brasileiros, preparam-se para receber o Papa Francisco, em momento importante para o mundo, a Igreja e o Brasil. O mundo passa por uma crise histórica cujo desfecho ninguém pode arriscar hipótese viável. Como já se tornou comum, nesta quadra difícil, não temos mais estadistas. A mediocridade impera em todos os centros do poder temporal.
O Papa – pela primeira vez um homem nascido fora da Europa – está sendo saudado, por alguns teóricos, como a esperança de reafirmação da Igreja. O Vaticano se encontra combalido, nas três últimas décadas, por vários problemas políticos e de conduta ética. O primeiro dos problemas políticos ocorreu pela militância de Karol Wojtyla, ou João Paulo II, em favor da hegemonia mundial norte-americana - e contra a URSS - na Sagrada Aliança com Ronald Reagan, de acordo com o jornalista Bob Woodward, em documentada reportagem na Revista Times.
No Papa polonês pesou mais a sua nacionalidade, e os dissídios seculares entre o seu país e os russos. Sendo assim, não titubeou em colocar a estrutura secreta do Vaticano a serviço da mobilização dos Estados Unidos na destruição da União Soviética, o que não foi difícil.
A tecnocracia soviética, que substituíra os velhos quadros revolucionários de 1917, estava ansiosa por renegar os rígidos princípios de igualdade de uma sociedade socialista.
Essa opção de Wojtyla desencantou uma ponderável parcela da Igreja, principalmente em nosso continente, que, com João XXIII, sentiu-se animada a propor uma Teologia da Libertação. Na verdade, Wojtyla, com a ajuda de Ratzinger, o seu teólogo oficial, foi contra os maiores pensadores da Igreja, a fim de esvaziá-la de seus compromissos com a Doutrina Social exposta por Leão 13, com a Rerum Novarum e o Povo de Deus.
Como se sabe, essa doutrina, que impunha a aproximação da Igreja com os trabalhadores e os pobres, foi bem defendida por Pio XI, 40 anos depois. Pio XI – o Cardeal Ambrogio Ratti - se opôs, com firmeza, ao anti-semitismo dos nazistas e fascistas, posição que não foi a mesma de seu sucessor, o Cardeal Pacelli, Pio XII.
Os primeiros gestos do novo Papa são, nesse sentido, animadores. O bispo de Roma, como chefe universal da Igreja, tem renunciado às pompas do cargo e reduz, com ousadia, a distância entre ele e o povo. Da mesma forma, vem atuando, com coragem, a fim de moralizar a Cúria Romana.
As reformas administrativas e legais que conseguiu, nesse pouco tempo de ação, demonstram que está empenhado em fazer, pelo menos em parte, o que pensa ser necessário.
Leão XIII dissera que o grande escândalo de seu século, o 19, fora a Igreja perder a classe operária, que, decepcionada, procurava outros caminhos, como os do socialismo. O Concilio Vaticano II expôs o temor de que o grande escândalo do século 20 viesse a ser a perda dos países pobres.
O avanço significativo das religiões protestantes – entre elas as seitas pentecostais – confirma esse perigo. Uma das missões que se atribui Francisco é a de voltar a imergir a Igreja, como fermento da Justiça, no mais profundo do Povo.
O Brasil está conhecendo tempos novos. Há uma pressão da sociedade para que o Estado sofra mudanças necessárias, com maior transparência dos Três Poderes da República. É certo que as manifestações, que ainda persistem, foram contaminadas por agentes provocadores e tendem, com sua segmentação em grupos corporativos, a perder o impulso dos primeiros dias. Mas se trata de uma situação especial e que deve ser considerada.
O Brasil, apesar do catolicismo de expressiva parte de seus cristãos, é uma República Laica, que reconhece na liberdade de crença de seus cidadãos um direito constitucional pétreo. Sendo assim, cabe aos católicos brasileiros encarregar-se das despesas das festas e do encontro religioso da juventude mundial. É natural que, como gesto normal de cortesia – e, mesmo, tendo em vista a obrigação de oferecer, ao visitante, condições de total segurança, para que seu deslocamento, em nosso país, se faça em aeronaves do Estado.
Seria, no entanto, um contrassenso, que o Erário pagasse os custos do evento, como está sendo cogitado. Os não católicos teriam todo o direito de insurgir-se contra o uso de seus tributos para o custeio de uma crença que não é a sua.
Assim, não deveriam o governador do Rio de Janeiro, e o prefeito da Capital, aproveitar-se do episódio, a fim de obter efeito eleitoral. Com as manifestações populares do Rio de Janeiro concentrando-se no protesto contra os dois, não se esperava o privilégio concedido aos dois, e às suas famílias, de um encontro reservado na residência oficial do governador do Estado.
A visita do papa se faz em sua condição de pastor de uma religião. Não é visita de Estado, e nas visitas de Estado, quem faz o programa é o governo que convida. Não é esse o caso.