Como parte do Simpósio sobre Zika e Chikungunya, realizado na Academia Nacional de Medicina, foi abordado o atendimento de crianças portadoras da chamada Síndrome Zika Vírus Congênita. As Dras. Liana Ventura, médica oftalmologista e Presidente da Fundação Altino Ventura de Recife, Pernambuco e a Dra. Fernanda Fialho, Coordenadora da Pediatria do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, apresentaram palestras sobre o assunto, abordando suas experiências e a perspectiva para a reabilitação dos pacientes.
Em apresentação intitulada “Acolhida, Habilitação e Reabilitação das Crianças com Zika Congênita”, a Dra. Liana Ventura apresentou o panorama da doença, afirmando que 94% dos pacientes são atendidos por meio do Sistema Único de Saúde, dos quais apenas 43% possuem sorologia confirmada para zika vírus. Além deste fato, aliado a um desconhecimento quanto às especificidades da doença, há um quadro médico complexo associado à síndrome, que não inclui somente a microcefalia, abarcando quadros como atrofia cortical, calcificações cerebrais, hipertonia, hiperreflexia, dentre outros. A médica deu especial ênfase ao fato de que o panorama da doença também deve incluir a situação das mães, que muitas vezes lidam com um alto nível de stress, frustração e abandono.
Nesse sentido, foram apresentadas duas vertentes do acolhimento oferecido aos pacientes e às mães, na forma de um grupo de apoio psicossocial e um grupo de empoderamento, visando transferir conhecimento para a família do paciente. Este grupo é formado por uma equipe multidisciplinar de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e psicopedagogos.
Em seguida, a Dra. Liana Ventura retratou o trabalho desenvolvido no Centro Especializado em Reabilitação Menina dos Olhos, da Fundação Altino Ventura, que conta com uma parceria com a Prefeitura do Recife. O convênio firmado prevê o desenvolvimento de ações de saúde ocular, com diagnóstico e reabilitação.A Fundação Altino Ventura, por estar localizada em Pernambuco - considerado o epicentro da epidemia de ZIKV, e por ser uma instituição filantrópica de referência em Oftalmologia,tem sido um dos principais centros envolvidos nesta causa. A experiência da Fundação com estas doenças começou quando oftalmologistas da instituição diagnosticaram anormalidades no nervo óptico e lesões na retina em recém-nascidos com microcefalia. A partir destes achados, a equipe de oftalmologistas da Fundação de passou a realizar uma investigação minuciosa para adoção de conduta terapêutica específica.
Apresentou, então, as manifestações oftalmológicas mais comuns, como deficiência visual, estrabismo e nistagmo. O estudo “Zika Vírus no Brasil e Atrofia Macular em uma Criança com Microcefalia”, publicado pela revista The Lancet, tem a participação de uma das oftalmologistas da Fundação, Camila Ventura. Segundo este estudo, as lesões oculares relatadas em bebês com microcefalia possivelmente associada ao zika vírus possuem alteração pigmentar da mácula diferente daquelas encontradas em outras infecções congênitas.
Ao final de sua apresentação, a
Dra. Liana Ventura ressaltou a importância de uma intervenção precoce nos bebês
com a Síndrome, afirmando que este tipo de atendimento é muito especializado. Além
deste fato, chamou atenção para a importância do estabelecimento de parcerias
(com órgãos governamentais, instituições nacionais e internacionais) uma vez
que essas crianças possuem necessidades como óculos específicos para baixa
visão, kits de baixa visão e estimulação multissensorial.
Abordando “A Experiência do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer”, a Dra. Fernanda Fialho relatou que, desde fevereiro de 2016, o Instituto Estadual do Cérebro (IEC) passou a concentrar o atendimento de crianças com microcefalia expostas ao vírus zika e também de grávidas que estejam esperando bebês com a má formação cerebral. O anúncio foi feito pelo secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior, junto com o diretor médico do instituto, o também Acadêmico Paulo Niemeyer.
Em seguida, a Dra. Fernanda Fialho apresentou o fluxograma do atendimento, que se inicia pelo agendamento pelo Sistema Estadual de Regulação e se segue com o que a pediatra chamou de “gincana médica” - consultas multidisciplinares com pediatras, neuropediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicoterapeutas, além de exames de alta complexidade.
Após a realização de uma bateria de exames, as crianças saem do IEC com um relatório completo de sua condição, com um direcionamento das necessidades de cada uma. A partir desses casos, será realizado um estudo para tentar entender melhor a doença e de que maneira conduzir o tratamento.
Dentre os resultados apresentados, é possível destacar que 67% das crianças examinadas apresentaram hipertonia, 82% apresentaram distúrbios de sucção, 22% possuem atrofia coriorretiniana, 18% com alterações no nervo ótico, dentre outros resultados. Com relação aos diagnósticos por imagem, 90% das crianças atendidas possuem padrão giral anormal, 80% possuem dilatação ventricular, 85% apresentam calcificações e 40% possuem alterações na fossa posterior.
Ao final de sua apresentação, a Dra. Fernanda Fialho salientou que um agravante nesse quadro dramático é o perfil econômico das famílias com casos de microcefalia, a maioria de baixa renda. Além deste quadro um traço comum às famílias atendidas no IEC é a incerteza em torno do que acontecerá com seus bebês. Por fim, destacou que, nos casos em que a criança, no decorrer de sua vida, reapresente necessidade de tratamento, o Instituto poderá voltar a recebê-la para que receba os cuidados necessários.