Pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) estão testando estratégias para recuperar de forma eficiente os metais presentes nas placas de circuito impresso (PCI) – componentes responsáveis pela circulação de sinais elétricos em celulares, computadores, tablets e certos modelos de micro-ondas, geladeiras, brinquedos e carros.
Entre os metais que a equipe busca reciclar está o cobre, de alto valor. O processo escolhido pelo grupo foi o hidrometalúrgico – no qual a extração do cobre se dá por dissolução em meio líquido (a chamada lixiviação) – associado ao emprego de ondas de ultrassom (conhecido por sonoquímica).
“Concluímos que a sonoquímica colabora com as etapas iniciais de fragmentação do material, tornando-o mais fino, e portanto faz com que a lixiviação do cobre fique mais rápida”, disse Denise Crocce Romano Espinosa, professora do Departamento de Engenharia Química da Poli/USP e coordenadora do Estudo de rota hidrometalúrgica para recuperação de metais de placas de circuito impresso lead-free obsoletas, realizado com apoio da FAPESP.
As placas têm em sua composição 30% de cerâmica, 30% de polímeros (plásticos) e 40% de metais. Além do cobre, há outros metais, como níquel, estanho, alumínio, ferro, zinco e mesmo ouro e prata em pequenas concentrações. Embora sejam a fração de maior valor agregado dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, as PCI representam um grande desafio em termos de reciclagem e descarte.
De um lado, há a presença de substâncias tóxicas, como o chumbo. De outro, as técnicas hoje empregadas para reciclá-las esbarram em alto consumo de energia, emissão de gases poluentes e necessidade de dispor de grandes volumes de material.
“No Brasil, não há empresas que recuperem o cobre de placas de circuito impresso. As existentes na Europa misturam hidro e pirometalurgia. Esta última envolve queima ou pirólise, que tem a vantagem de excluir mais facilmente os polímeros, mas consome mais energia, requer muito material para valer a pena e pode ser poluente. Buscamos desenvolver um processo puramente hidrometalúrgico justamente para contornar tais problemas”, afirmou Espinosa.
Outro obstáculo que a equipe da Poli/USP tenta superar é o da logística de coleta. “Com procedimentos baseados apenas na hidrometalurgia, nossa ideia é poder tratar pequenas quantidades de material”, disse a pesquisadora. “Assim, em vez de transportar enormes quantidades de placas a uma única grande empresa, várias menores poderão trabalhar sua reciclagem.”
Os pesquisadores também avaliam o emprego da sonoquímica no aumento da velocidade de lixiviação, o que traria mais eficiência ao processo – as investigações nessa frente contaram com a atuação do aluno de doutorado Denis Massucatto.
Esse é um dos objetivos do Projeto Temático “Estudo de novas tecnologias e rotas de processamento para o tratamento e reciclagem de resíduos sólidos”, em andamento, do qual Espinosa é a pesquisadora principal.
Trajetória de pesquisas
O grupo estuda o aperfeiçoamento da reciclagem dos metais presentes nas PCI há mais de 20 anos, tendo em vista fatores como o aumento do consumo e do descarte dos equipamentos elétricos e eletrônicos; a diminuição da vida útil dos aparelhos e a rápida obsolescência ligada aos avanços tecnológicos; a necessidade de adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010; o esgotamento de minérios ricos para extração de metais e a escassez de tecnologias para seu reaproveitamento.
Diante desse panorama, encontrar alternativas de recuperação para as PCI significa poder ir além da reciclagem de carcaças plásticas e metálicas e da simples exportação das placas para países capazes de recuperá-las. Significa também aproveitar seu potencial comercial e impedir que a toxicidade de certas substâncias contamine o ambiente por descarte inadequado, explicou Espinosa.
Os experimentos têm sido realizados no Laboratório de Reciclagem, Tratamento de Resíduos e Extração (Larex), do Departamento de Engenharia Química da Poli/USP.
Para o estudo de rota hidrometalúrgica já concluído, foram usados cerca de 15 quilos de placas, obtidos no Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (Cedir) da USP, criado em 2009 para receber materiais de docentes, alunos e funcionários da universidade. “Por meio dessa parceria, conseguimos lotes de placas iguais, o que ajuda no entendimento dos processos que aplicamos”, contou a pesquisadora.
Outra característica das PCI utilizadas na pesquisa é a ausência de chumbo (lead-free), em concordância com a diretiva europeia conhecida como RoHS (Reduction of Hazardous Substances), que desde 2002 limita a concentração de determinadas substâncias em equipamentos eletroeletrônicos.
Os resultados foram apresentados por pesquisadores do grupo na 28th International Conference on Solid Waste Technology and Management, nos Estados Unidos, e no 14th International Waste Management and Landfill Symposium, na Itália, ambos ocorridos em 2013.
Além de investigar em mais detalhes o emprego da sonoquímica, o grupo seguirá atuando em outras frentes. A aluna de mestrado Monica Maria Jimenez Correa, bolsista da FAPESP, estuda a etapa de purificação, posterior à lixiviação do material coletado, a fim de obter mais eficiência para o produto final.
Já Espinosa está envolvida também em um projeto voltado à reciclagem de índio, metal presente em telas de celulares e televisores LCD e LED. “Oitenta por cento do índio usado em todo o mundo destina-se à fabricação dessas telas. A reciclagem foca apenas em vidros e polímeros, deixando o metal de lado”, afirmou.