Se os negócios sociais no Brasil ainda são um conceito que ainda não foi amplamente difundido, no mundo não é bem assim. O grupo francês SOS, que tem mais de 300 empresas espalhadas por 20 países, já atua na área há 30 anos e agora chega em terras brasileiras atraído pelas oportunidades daqui. “Os brasileiros têm um espírito empreendedor particularmente forte e eles tendem a orientá-lo na direção da inovação tecnológica e dos novos mercados digitais. É um movimento completamente novo, muito promissor e que tem se expandido rapidamente”, diz Nicolas Hazard, vice-presidente do Grupo SOS e presidente do CDI (Comptoir de l’Innovation), uma empresa social que ajuda a medir o impacto social e financeiro dos negócios da rede.
Em entrevista ao Porvir, Hazard fala do conceito de negócios sociais que as empresas adotam e aponta razões por acreditar que empresas com esse perfil estejam se espalhando no mundo. No Brasil, o grupo já identificou como oportunidade de atuação a construção de creches para a população de baixa renda – na França, para atacar questão semelhante, eles desenvolveram um modelo de negócio para os centros de primeira infância em que o valor cobrado cabe no bolso de famílias pobres. “Juntos, podemos encontrar soluções inovadoras para setores que têm necessidades urgentes, como a primeira infância, área em que há uma enorme falta de opção para os pais matricularem seus filhos”, diz ele. E o diagnóstico não poderia ter sido mais preciso. Nesta semana mesmo, o Ministério Público de São Paulo determinou que o prefeito Haddad cumpra a promessa de campanha e crie 105 mil vagas de creche até 2016.
As empresas do Grupo SOS prestam serviços que o Estado não tem condições de oferecer sozinho em principalmente cinco áreas: saúde, educação, solidariedade, terceira idade e emprego. “Devido à natureza política das empresas sociais, é essencial que elas constituam um complemento ao Estado, não uma substituição”, disse o francês.
Veja abaixo a entrevista completa com Hazard.
Das definições de negócios sociais, qual é a que vocês acreditam?
O negócio social tem que combinar um modelo de negócio sustentável com um forte impacto social. O método consiste em usar ferramentas clássicas de negócios para dar escala às atividades das empresas sociais. O lucro é um pré-requisito e o principal foco da companhia é atacar questões ambientais e sociais.
Algum tempo atrás, o conceito de negócios sociais se confundia com o de caridade. Como o campo está hoje?
Na medida em que o movimento dos negócios sociais se espandiu pelo mundo, os governos começaram a entender seu poder para resolver questões sociais. Devido à natureza política das empresas sociais, é essencial que elas constituam um complemento ao Estado, não uma substituição. É absolutamente necessário que haja uma forte relação de confiança para que os negócios sociais trabalhem lado a lado com o governo. Em Paris, por exemplo, trabalhamos com o governo da cidade para lançar o Social Good Lab, uma incubadora de tecnologias com impacto social. Essa iniciativa não seria possível sem a cooperação do setor público e o Le Comptoir de l’Innovation.
Como estão os negócios sociais pelo mundo?
Para qualquer empreendedor social, o Brasil é um mercado promissor, não apenas pelo seu tamanho mas também por muitas das questões sociais que tem enfrentado: desigualdades sociais e econômicas, falta de educação, pobreza, baixa qualidade do sistema de saúde, entre outros.
Depois da crise de 2007, ficou bastante óbvio que o mundo precisava de um novo paradigma macroeconômico. Isso reforçou a ideia já existente de que as ferramentas de negócio – graças a sua eficiência econômica – tinham um papel central na solução de problemas e na complementação da atuação do governo na oferta de serviços públicos. As novas gerações sabem que alguma coisa precisa mudar na forma como construímos e conduzimos nossas sociedades e elas precisam de uma proposta forte e clara. Os negócios sociais são uma das melhores respostas para as novas necessidades do mundo. Não apenas eles podem resolver questões relacionadas à pobreza e à exclusão, mas também contribuir para o crescimento econômico e a geração de empregos. Muitas organizações internacionais estão contribuindo para fazer dos negócios sociais um movimento global, mas ainda há muito a ser feito. Então, claro, cada país tem suas próprias necessidades e por isso terá uso e interpretação específicos para os negócios sociais.
Quais são as cinco áreas em que vocês atuam?
Para combater a pobreza e a exclusão social, o Grupo SOS tem uma abordagem holística na qual cinco áreas (saúde, educação, solidariedade, terceira idade e emprego) têm importância fundamental para o desenvolvimento social. Consideramos a educação uma das principais soluções para as desigualdades sociais e, por isso, temos trabalhado para garantir que todas as crianças tenham as mesmas oportunidades. A educação é provavelmente a melhor opção para a mobilidade social, é um investimento de longo prazo.
Você vê diferenças importantes entre as oportunidades para empreendedores no mundo se comparadas com as do Brasil?
Os brasileiros têm um espírito empreendedor particularmente forte e eles tendem a orientá-lo na direção da inovação tecnológica e dos novos mercados digitais. É um movimento completamente novo, muito promissor e que tem se expandido rapidamente. O uso de tecnologias inovadoras que combatem a exclusão social é provavelmente um campo em que os empreendedores devem encontrar uma variedade de oportunidades. Para qualquer empreendedor social, o Brasil é um mercado promissor, não apenas pelo seu tamanho mas também por muitas das questões sociais que tem enfrentado: desigualdades sociais e econômicas, falta de educação, pobreza, baixa qualidade do sistema de saúde entre outros. Há diferenças entre os estados do Brasil: São Paulo não tem os mesmos problemas relacionados a educação, por exemplo, que o Maranhão. E você não poderá combatê-los da mesma maneira. Você terá que adaptar as necessidades da dpopulação para o ambiente.
Quais são as empresas mais interessantes que têm resolvido problemas educacionais?
Existe uma empresa brasileira chamada Geekie que está revolucionando a forma como os estudantes aprendem. Eles têm uma plataforma on-line que adapta os conteúdos às necessidades dos alunos. Isso os ajuda no processo de aprendizado e permite que os estudantes obtenham melhores notas, além de prepará-los para o Enem. É um jeito brilhante de usar tecnologia para lutar contra desigualdades e dar aos jovens brasileiros melhores chances na vida. Na França, o Grupo SOS se dedica a centros destinados a primeira infância. Investir em crianças pequenas é essencial para uma educação melhor e permite que as mães sigam suas carreiras. Esses serviços são acessíveis para famílias de baixo poder aquisitivo. Nos últimos 30 anos, desenvolvemos a Crescendo, uma rede de serviço de cuidados à criança voltados a primeira infância, creche e centros sociais. Graças a um sistema de equalização de preços, conseguimos construir um modelo sustentável e hoje a Crescendo recebe semanalmente 2.000 famílias em suas 30 unidades.
Quais são suas expectativas para o futuro no Brasil?
Os negócios sociais estão se expandindo no Brasil. O conceito está se espalhando e podemos ver a multiplicação de iniciativas e novas estruturas prontas para apoiá-los. Queremos contribuir com esse movimento ao apoiar e criar projetos numa perspectiva de longo prazo. Com base na gama de negócios que desenvolvemos nos últimos 30 anos, poderemos contribuir com soluções eficientes para diferentes problemas sociais no Brasil. É por isso que estamos começando a trabalhar com organizações e institutos brasileiros que estão liderando esse movimento no país. Juntos, podemos encontrar soluções inovadoras para setores que têm necessidades urgentes, como a primeira infância, área em que há uma enorme falta de opção para os pais matricularem seus filhos. Também acreditamos que podemos ajudar empresas e instituições brasileiras a desenvolver ferramentas de mensuração de impacto social e desempenho financeiro, algo crucial para a aceleração e expansão do conceito dos negócios sociais no Brasil.
Como você mede o impacto de cada empresa do grupo? Como é a ferramenta de medição que vocês criaram?
Os negócios sociais são uma das melhores respostas para as novas necessidades do mundo. Não apenas eles podem resolver questões relacionadas à pobreza e à exclusão, mas também contribuir para o crescimento econômico e a geração de empregos
Porque tínhamos empresas em diferentes setores e que produziam tipos diferentes de impacto social, precisávamos de uma ferramenta muito completa e eficiente que pudesse analisar esse impacto e, ao mesmo tempo, garantir que nossos modelos de negócio eram apropriados e efetivos. Foi assim que o CDI Ratings nasceu. É parte dos serviços oferecidos pelo Le Comptoir de l’Innovation. O CDI Ratings é uma ferramenta complexa para monitorar, avaliar e reportar nosso desempenho social, adaptado para nossas cinco áreas de atividade.
Nós usamos 600 critérios em 15 setores para oferecer uma análise financeira e extrafinanceira que nos permita monitorar e relatar o desempenho financeiro e social de uma empresa, além de facilitar a mediação entre investidores e empreendedores sociais. Assim sendo, nós avaliamos a missão social e o impacto, a governância, as políticas de recursos humanos e ambientais, além de outros elementos-chave para o funcionamento de uma empresa. Mas o CDI Ratings não está apenas preocupado com o impacto social: temos que ter certeza que as empresas têm sustentabilidade econômica e que o modelo de negócio também está funcionando. Então fazemos também uma análise financeira extensiva, atentando para a estratégia, o posicionamento no mercado, as operações e a estrutura financeira.
Ao fim do processo, sabemos onde e por que uma empresa está indo bem ou mal e estamos aptos a dar uma assistência sobre melhores práticas e métodos. Isso nos ajuda e ajuda as empresas que prestamos serviços não apenas a otimizar o impacto social e o desempenho financeiro, mas também a ter mais credibilidade e atrair investidores.