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NOVA YORK - Uma espécie de rã chinesa que usa comunicação ultra-sônica tem a capacidade de sintonizar seus ouvidos como um seletor de freqüências de rádio, de maneira a isolar e eliminar ruídos de fundo, de acordo com um novo estudo.
Isso torna a rã das torrentes, ou rã de ouvidos côncavos, o único animal conhecido capaz de controlar fisicamente as freqüências que ouve, por meio da abertura ou do fechamento de porções de seus ouvidos.
- Isso contraria tudo que conhecíamos até agora sobre o sistema auditivo (das rãs) - disse Albert Feng, co-autor do estudo e pesquisador da Universidade do Illinois, em Urbana-Champaign.
A equipe de Feng especula que a pequena rã, que vive perto de correntes ruidosas e cascatas barulhentas no centro da China, utilize essa adaptação de maneira a isolar os ruídos de fundo quando deseja ouvir os chamados de potenciais parceiros de acasalamento ou rivais.
Abertos e fechados
A rã das torrentes de orelhas côncavas é o único anfíbio conhecido que faz chamados ultra-sônicos, ou se comunica em freqüências bem superiores às perceptíveis pela audição humana.
Apenas alguns poucos animais mais, entre os quais morcegos e golfinhos, desfrutam dessa capacidade, até onde os cientistas podem determinar.
No começo deste ano, Feng e colegas reportaram que as rãs da torrente machos eram capazes de localizar a origem de sons com precisão incomum, a fim de localizar fêmeas durante duetos de acasalamento ultra-sônicos.
Novos estudos sobre o sistema auditivo desses animais demonstraram que seus tímpanos vibram em resposta a ruídos ultra-sônicos, mas apenas durante parte do tempo.
Isso surpreendeu a equipe envolvida na pesquisa, porque em todas as demais variedades de rãs estudadas, os tímpanos sempre respondem da mesma maneira aos estímulos sonoros.
Novos exames revelaram que as rãs chinesas estavam controlando ativamente a abertura e fechamento de seus trompas de Eustáquio, dois estreitos canais que conectam a cavidade bucal ao ouvido direito e ao esquerdo. Fechar os tubos melhora a capacidade das rãs para ouvir freqüências elevadas e ultra-sons, enquanto abri-las eleva a sensibilidade a ruídos de baixa freqüência.
A conclusão do estudo está detalhada em artigo publicado pela "Proceedings of the National Academy of Sciences".
- Trata-se de um mecanismo realmente único no reino animal - comentou James Saunders, especialista em audição na Universidade da Pensilvânia. Saunders apontou que os seres humanos também podem "ouvir seletivamente" sons diferentes. Por exemplo, uma pessoa pode se concentrar em ouvir o som do fagote de preferência aos demais instrumentos, durante um recital de orquestra.
Mas a seleção auditiva nos seres humanos é uma função executada primordialmente pela mente. Envolve neurônios cerebrais que se concentram em sons vindos de determinadas direções. Já as rãs chinesas desenvolveram um equivalente biológico de tapa-ouvidos, que bloqueiam todos os sons exceto aqueles que provenham de uma determinada faixa de freqüências.
Mudando de canal
Feng, o co-autor do estudo, especula que os ouvidos sintonizáveis das rãs sejam uma adaptação ao seu ambienta nativo ruidoso. Por exemplo, mudar de canal para as freqüências mais elevadas poderia ajudar as rãs a ouvir chamados de acasalamento durante uma tempestade, quando os sons mais graves das gotas de chuva, os trovões e o rugido da água predominariam.
- Se um ser humano se visse nessa situação, estaria enrascado - diz Feng. "O ruído de fundo vem de todas as direções, e por isso nossa audição seletiva não funcionaria".
- As rãs simplesmente determinam que não ouvirão aquilo, e mudarão de canal - ele acrescenta.