Deonísio da Silva, Jornal do Brasil
RIO - Há muito tempo me fascina a língua portuguesa falada e escrita nos hospitais, por médicos, enfermeiros, pacientes, ajudantes diversos, visitas. Em 2006, publiquei um artigo aqui mesmo no Jornal do Brasil, depois publicado também em outras mídias, principalmente na eletrônica, sobre as bulas, onde dizia: As bulas de remédios são inúteis para os consumidores. Além de trazerem informações desnecessárias e assustadoras, vêm carregadas de advertências confusas, que podem abalar a confiança que os clientes têm nos médicos. O objetivo é fornecer argumentos aos advogados dos laboratórios em eventuais ações judiciais. Os consumidores que se danem .
E acrescentava, então: A bula deveria prestar informações indispensáveis aos consumidores. Mas não o faz com eficiência. A primeira dificuldade é o tamanho das letras. Quem lê as bulas? Quase sempre pessoas mais velhas. Ou porque vão tomar aqueles remédios ou porque vão administrá-los a quem, mesmo sabendo ler, não entenderia o que ali vai escrito. Os laboratórios não pensaram nisso ao escolher letras tão pequeninas. Ou pensaram e quiseram economizar papel. Seus consultores diriam 'otimizar recursos' .
Pois agora a Agência Nacional de Saúde (Anvisa) definiu um novo modelo para as bulas. A resolução prescreve que deverão ser impressas em letras Times New Roman, corpo 10, isto é, quase o dobro do atualmente usado. E terão um tipo de informações para os pacientes e outro para os profissionais. Foram incluídas também nove perguntas respondidas, que explicam quais as indicações do remédio e quais os males que ele pode causar. Alguém na Anvisa leu o nosso artigo. E acatou todas as sugestões ali contidas.
Um remédio que tomo com frequência vem com o seguinte aviso: Atenção fenilcetonúricos: contém fenilalanina . A maioria dos dicionários comete o mesmo erro das bulas: tudo é explicado, nada é entendido. É uma doença devida a um defeito congênito do metabolismo da fenilalanina, ou seja, digestão inadequada de um dos elementos da proteína do leite. Também se chama idiotia fenilpirúvica . Assim diz a melhor explicação dos dicionários que consultei. Quanto à Anvisa, está de parabéns, que, aliás, negou a este professor e escritor, um dos primeiros a se insurgir, na mídia, contra o descaso que os laboratórios têm com os cidadãos que tomam remédios. Aliás, os marqueteiros diriam clientes para os primeiros e produtos para os segundos. Os eufemismos imperam em todo o meio. Em vez de este remédio pode matar lemos o produto pode causar óbito .
Certos redatores cobrem a língua portuguesa de estranhos vícios que desconcertam a todos nós, brasileiros, que temos uma habilidade verbal impressionante, mas combatida sem sucesso por quem não sabe escrever. Não apenas bulas, mas simples avisos incorrem em erros irritantes. A aeromoça diz que por motivos de segurança , temos que apertar os cintos. Mas o motivo não é apenas um? Por que o plural? Temos que apertar ou apenas afivelar o cinto? E ao dar o clássico cumprimento de boa-noite, os apresentadores de telejornais nos desejam uma excelente noite . Como diriam em inglês e espanhol? Aboliriam os tradicionais good night e buenas noches? Estes cumprimentos são formas fixas, não podem ser alterados assim, sem mais nem menos.
Ouvimos de gente elegante vamos se (sic) ver um dia desses . Sim, quando crianças, dissemos aos pais eu se cortei , mas na escola aprendemos a norma culta. Outra, dos aeroportos: Passageiros gestantes terão prioridades . Só se Arnold Schwarzenegger estiver embarcando. No filme Júnior, o ator engravidou para experimentar uma droga para fertilização. De resto, apenas passageiras podem ser gestantes! E precisam de uma prioridade apenas! Então, por que o plural? A economia é a regra básica da elegância. E é por isso que algumas pessoas fazem dieta.
As placas do DNER põem crase em obras à (sic) 100 metros . E o Ministério da Educação (MEC), não sei a quem consultou para isso, obriga as universidades a escreverem educação a (sic) distância , que deve ter crase. Sugiro que o governo mande o MEC tomar emprestada ao menos uma crase do DNER e escrever corretamente educação à distância , com crase.
A verdade é que temos muitos profissionais de Letras desempregados. E o Brasil, todos os dias, dá mostras do quanto precisa deles!
* Deonísio da Silva é escritor.