Carlos Eduardo Novaes, Jornal do Brasil
RIO - Foi uma sorte mesmo o Brasil proclamar sua independência em setembro de 1822. Fosse hoje as coisas não seriam tão simples como na época. Primeiro porque um jovem de 23 aninhos idade de D. Pedro na ocasião atualmente está mais interessado em discotecas e esportes radicais. Depois porque o riacho do Ipiranga já secou há tempos e teríamos que procurar outro local para o brado retumbante. Terceiro porque D. Pedro, uma celebridade, jamais poderia tomar sua decisão sem avisar à mídia. Por nada desse mundo as televisões perderiam tal acontecimento.
No dia em que D. João VI embarcou de volta a Portugal, todas as revistas semanais botaram uma foto de D. Pedro na capa sugerindo que logo após a viagem da família real o imperador foi visto rondando a casa da Marquesa de Santos . As colunas políticas especularam sobre o pedido da Coroa portuguesa para que D. Pedro também retornasse a Portugal. Fazer o que na terrinha? A mulher portuguesa não me atrai! declarou o imperador, que só pensava em mulher, a revista Caras.
Portugal insistia e D. Pedro não aguentava mais as pressões da Corte. Um dia, em janeiro, após abrir o malote de Lisboa e encontrar uma ordem de embarque imediato, D. Pedro deu um murro na mesa e caminhou a passos firme para a sacada. Assustado, seu secretário Chalaça interceptou-o:
Que o senhor vai fazer?
Vou dizer ao povo que fico!!
Negativo reagiu Chalaça O senhor não pode fazer isso! Não assim, num rompante. Temos que dar repercussão nacional a sua decisão. Vamos convocar a imprensa, promover uma coletiva, botar umas chamadas nas televisões... É assim que se faz hoje em dia!
Em uma semana estava tudo pronto. Embandeirou-se a praça, armou-se um palanque, convidaram-se alguns artistas e chamaram o Faustão para comandar o espetáculo. D. Pedro fez algumas exigências, queria no seu camarim toalhas brancas e gatinhas de qualquer cor. No palácio, técnicos em comunicação estudavam a frase de maior impacto. D. Pedro, que não era de muito falar, queria dizer apenas diga ao povo que fico! . Sem dúvida uma frase de grande impacto, mas curta demais. As emissoras de TV alegaram que não podiam deslocar seus equipamentos para botar no ar uma fala de dois segundos. Depois de muita discussão decidiu-se encompridar a frase: Como é para o bem de todos etc etc... . O Dia do Fico foi um sucesso: deu 78 pontos no ibope!
A partir daí a ideia da independência ganhou força apesar de D. Pedro estar se lixando para essas questões políticas. Queria mesmo era ficar com suas gatinhas e formar um conjunto de rock. Portugal porém não lhe dava sossego: dia a dia diminuía sua autoridade. Uma tarde, durante o ensaio de sua banda, o imperador desabafou:
Qualquer hora dessas encho o saco e proclamo a independência!
O secretário Chalaça alertou D. Pedro para a impossibilidade de a independência ser proclamada assim sem mais nem menos. O acontecimento exigia uma megaprodução para poder chegar ao conhecimento de todos os brasileiros nos quatro cantos do país.
A primeira reunião foi realizada em fins de julho e de cara José Bonifácio descartou o mês de agosto, um mês de mau agouro . Pensou-se no dia 1º de setembro no Rio, mas acabou ficando para o dia seis, única data disponível na agenda do imperador que estaria a meio do caminho entre Santos e São Paulo. Não foi fácil convencer os mineiros.
Na primeira proposta D. Pedro proclamaria a independência à saída de Cubatão. O pessoal das televisões porém não aprovou o local: muito feio, esfumaçado. D. Pedro sofria de bronquite e poderia tossir no momento da proclamação. Os técnicos começaram a procurar por um lugar mais aberto, mais bonito e verdejante. Encontraram um riacho chamado Ipiranga em uma área descampada que permitiria a colocação de várias câmeras de TV. Qual seria a melhor hora para o Brasil se tornar independente? Novas reuniões para discutir o horário mais adequado. Nem muito cedo, nem muito tarde para não atrapalhar a transmissão do futebol. O ideal seria entre 20h30 e 21h para entrar ao vivo no Jornal Nacional. Em outra sala, outro grupo discutia o texto. D. Pedro preferia um brado curto e grosso. Algo na linha de Independência ou danem-se! . As televisões, no entanto, queriam que ele fizesse um discurso de, no mínimo, duas horas. Havia uma fila de patrocinadores interessados em participar do evento, empresas de celulares, automóveis, cerveja...
No dia cinco de setembro a produção do evento marcou o local onde D.Pedro deveria parar, receber a correspondência do mensageiro, desembainhar a espada e proclamar a tão esperada independência. Na manhã do dia seis havia mais gente às margens do Ipiranga do que em concerto de rock. Uma unidade móvel acompanhava D. Pedro enquanto William Bonner e Fátima Bernardes transmitiam da cabine instalada na árvore mais alta da região: Atenção senhoras e senhores, já é possível ouvir o tropel dos cavalos da comitiva . D. Pedro se aproximava imponente, guarnecido pelos futuros Dragões da Independência. Parou sobre a marca e como o mensageiro não havia chegado disfarçou fingindo dar de beber ao seu cavalo às margens do riacho.
Cadê o mensageiro que não chega? Ninguém sabia do mensageiro. D. Pedro continuou disfarçando, acenou para o pintor Pedro Américo e ofereceu uns trocados ao sertanejo que puxava um carro de boi. Como o mensageiro não aparecesse as televisões começaram a encher linguiça, discorrendo sobre a temperatura local e a melhor época para pescar no riacho do Ipiranga.
D. Pedro segurava o grito preso na garganta. Que diabo, onde se meteu esse mensageiro? Os patrocinadores já se movimentavam para cancelar suas participações no evento. As televisões perdiam milhões com aquela cena morta. Bonner então recebeu ordens para interrompê-la:
Vamos aos nossos comerciais. A qualquer momento voltaremos a falar das margens do Ipiranga com a Independência do Brasil!
Só muito mais tarde descobriu-se que o mensageiro sem os detalhes do encontro procurava por D. Pedro na avenida Ipiranga. O evento foi transferido para o dia seguinte.
* Carlos Eduardo Novaes é escritor.