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Artista plástico escreve sobre seu livro 'Odiar é...'

Divulgação -
O artista plástico Alex Frechette e seu novo livro 'Odiar é...'
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A paisagem política brasileira de 2019 tem como horizonte central a mobilização do ódio. O terreno fértil, arado com muita violência, envolve desde o 'hater' comentador de portais da internet até membros da política institucional. Arcaísmos vários que pareciam estar superados voltam mobilizados por robôs que conferem a likes, menções, visualizações, compartilhamentos, legitimidade como quantificadores dos afetos humanos, como sismógrafos fiéis da realidade. Organizando, sistematizando e fomentando estes números, convencem por acúmulo: afinal, se uma notícia tem milhares de compartilhamentos, só pode ser verdade.

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O artista plástico Alex Frechette e seu novo livro 'Odiar é...' (Foto: Divulgação)

Esta enxurrada de informações de credibilidade duvidosa nos suga para dentro de um ventre distópico, um lento/rápido necroprocesso que quer engolir inclusive a nossa prática da liberdade, essência do trabalho artístico. Não é a toa que esse arsenal de fake news – paradigma central da violência política protofascista brasileira – tem também, como alvo da mobilização das milícias virtuais, a arte e os artistas.

Este livro é uma paródia dos jogos infantis de almanaques, porém utiliza como tema central os jogos políticos brasileiros – que formam, aqui, um catálogo de atrocidades, um inventário de ascos resgatados do cotidiano autoritário – e propõe, através de paleta irônica, jogos truncados como um álbum de figurinhas que não se colecionam (com figurinhas “fáceis” e “repetidas”, já grudadas em nossas vistas na insistência dos noticiários), um jogo de colorir para não dar cor nenhuma a momentos tão terríveis, um jogo de erros de apenas “02” erros, enquanto outro tem “mil” erros, labirintos sem saída, uma corrida que não leva a lugar algum, um diário-manual para aprimorar habilidades de ódio... Há mesmo como achar Queiroz? Ou a Justiça? Ou descensurar, descobrindo o que está escondido no caça-censura?

Enfim, este não é um livro de atividades a se fazer, mas inatividades (como diz seu subtítulo), e é como um simulacro do governo atual. Entretanto, devo ressaltar que o Diário do discurso de ódio (o manual do hater) foi feito no final de 2014, depois das eleições presidenciais, quando o ódio e as pós-verdades (palavra do ano de 2016, segundo o dicionário Oxford, e ano também da deposição de Dilma Rousseff), começaram a chamar minha atenção na internet. Não imaginei que o manual seria seguido tão à risca por tanta gente nos anos subsequentes.

O delírio político tenta captar também o campo da arte, da criatividade, do estético – mas, vale lembrar: a estética (campo vasto que inclui a arte) traz dentro de si a palavra e a prática ética, e é via política também, e, possivelmente, antianestésica.

SERVIÇO: Livro "Odiar é..." / Editora: Circuito / Preço: R$ 15,00 / 38 páginas. LANÇAMENTO: Data: 10 de janeiro (sexta-feira) / Horário: 18h / Local: Praça São Salvador, Laranjeiras - RJ (próximo ao coreto)

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livro