CINEMA

Festival de Berlim abre sua edição nº 75 em fase de renovação, repleto de brasilidade

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Por RODRIGO FONSECA, Enviado Especial

Publicado em 13/02/2025 às 10:39

Alterado em 13/02/2025 às 10:45

A americana Tricia Tuttle é a diretora artística do evento Foto: Sebastian Gollnow

Com 13 produções brasileiras em diferentes seções, mais dois seriados nacionais em seu setor de mercado (o EFM), a Berlinale inaugura nesta quinta-feira (13) sua 75ª edição num movimento de renovação interna, sob curadoria nova, afirmando a excelência autoral da produção germânica. Coube a uma programadora americana, Tricia Tuttle, outrora comandante do BFI London Film Festival, assumir a direção artística do evento alemão, que abre suas atividades com tributo á atriz escocesa Tilda Swinton. Estrela de Pedro Almodóvar em “A Voz Humana” (2020) e “O Quarto Ao Lado” (Leão de Ouro de Veneza em 2024), Tilda ganhará o Urso de Ouro Honorário de 2025 na cerimônia de abertura deste Festival de Berlim, antes da projeção de “Das Licht”, de Tom Tykwer, misto de drama, fantasia e musical, unindo a capital da Alemanha, Nairóbi e Aleppo numa trama sobre novos arranjos familiares.

Aos 59 anos, Tykwer foi um dos diretores mais importantes para o redesenho da produção germânica na conversão do cinema analógico (em película 35mm) para o digital, na década de 1990. Os cults “Winter Sleepers - Inverno Quente” (1997) e “Corra, Lola, Corra” (1998) fizeram sua fama e o levaram a filmar com estrelas hollywoodianas (tipo Tom Hanks, Halle Berry, Dustin Hoffman). O novo exercício de sua autoralidade, “Das Licht” (“The Light” ou “A Luz”), entrou na Berlinale hors-concours, como atração de abre-alas do festival, apoiado no carisma de seu astro, Lars Eidinger (de “Dying – A Última Sinfonia”). No drama filmado por Tykwer, uma família se aboleta num apartamento administrando mal suas desarmonias. Embora as complexidades do dia a dia distanciem seus integrantes, eles ainda preservam algum amor. Quando passam a conviver com a síria Farrah (vivida por Tala Al-Deen), contratada como governanta, esse clã, que é chefiado por Milena (Nicolette Krebitz) e Tim (Eidinger), terá novas lições de empatia. A sequência de um “pega” de bicicletas, com direito a uma fuga da polícia, é um momento antológico do longa-metragem, que transborda destreza na condução de planos.

A convocação de “Das Licht” assinala a nova linha curatorial desenhada por Tricia Tuttle. A gestão anterior, estruturada por Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, começou em 2020 (pré-pandemia) e terminou no ano passado. O saldo da dupla foi dos mais positivos, pois reaproximou o festival de grifes narrativas há muito afastadas (como Martin Scorsese e Steven Spielberg), reconectando relações com Hollywood, estremecidas na fase final da administração de Dieter Kosslick, seu curador de 2001 a 2019.

Tricia escalou o Brasil para concorrer ao Urso de Ouro com o novo filme do pernambucano Gabriel Mascaro: “O Último Azul”. O cineasta cacifou-se aos olhos crítica internacional ao ganhar o Prêmio do Júri dos Horizontes de Veneza, há dez anos, com “Boi Neon” (contemplado ainda com o troféu de Melhor Filme no Festival do Rio de 2015) e já esteve na Berlinale antes, com “Divino Amor”, em 2019. Desta vez, ele vai se embrenhar pelas paisagens da Amazônia.

Denise Weinberg e Rodrigo Santoro integram o elenco de “O Último Azul”. No enredo dessa distopia, o governo brasileiro passa a transferir idosos para uma colônia habitacional para “desfrutarem” seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, uma mulher de 77 anos (vivida por Denise), embarca em uma jornada para realizar seu último desejo.

“A seleção de ‘O Último Azul’ para a competição principal de Berlim só reforça o quanto o Brasil é capaz de produzir um cinema forte, profundo e competitivo”, diz o ator Rodrigo Santoro, no release oficial do longa de Mascaro. “É emocionante ver o cinema independente chegando tão longe, feito com garra e talento - muitas vezes, com muito pouco”.

Medalhões autorais de gerações distintas vão encarar Mascaro na caça por troféus, entre os quais o onipresente diretor sul-coreano Hong Sangsoo (com “What Does that Nature Say to You”). Vão estar lá ainda o americano Richard Linklater (com “Blue Moon”, que tem Ethan Hawke e Margaret Qualley em cena); a francesa Lucile Hadihalilovi (com “La Tour de Glace”, estrelado por Marion Cotillard); e o mexicano Michel Franco (com “Dreams”, que tem a oscarizada Jessica Chastain no elenco). Um dos competidores mais badalados desta edição é o romeno Radu Jude, ganhador do Urso dourado de 2021 por “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”. Ele compete agora com “Kontinental ’25”, produzido pela RT Features de Rodrigo Teixeira, do fenômeno de bilheteria “Ainda Estou Aqui”.

Na seara hors-concours da Berlinale, a paulista Anna Muylaert volta ao festival dez anos depois de ter exibido “Que Horas Ela Volta” (2015) por lá. Voltou lá em 2016 para lançar “Mãe Só Há Uma”. Retorna desta vez com “A Melhor Mãe Do Mundo”. Com ecos de “A Vida É Bela” (1998), a trama é protagonizada por Gal (Shirley Cruz), uma catadora de materiais recicláveis que luta para escapar da violência do marido Leandro, (Seu Jorge). No empenho para fugir dele, ela coloca seus filhos pequenos em sua carroça e atravessa a cidade de São Paulo. Pelo caminho, enfrenta os perigos das ruas enquanto tenta convencer as crianças, Rihanna e Benin, de que estão vivendo uma aventura em família.

A presença nacional em Berlim este ano estende-se com a participação dos filmes “Hora do Recreio”, de Lucia Murat; “A Natureza das Coisas Invisíveis”, de Rafaela Camelo; “Ato Noturno”, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon; “Zizi (Ou Oração Da Jaca Fabulosa)”, de Felipe M. Bragança; “Cartas do Absurdo”, de Gabraz Sanna; “Arame Farpado”, de Gustavo de Carvalho; “Entardecer En América”, de Matías Rojas Valencia; e “Anba dlo”, de Luiza Calagian e Rosa Caldeira. Passa lá ainda uma prévia da série “De Menor”, de Caru Alves de Souza. Cult dos anos 1970, a coprodução germânica “Iracema, Uma Transa Amazônica” (1975), com Paulo César Peréio (1940-2024) na estrada, sob a direção de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, terá sua cópia restaurada exibida no festival, na seção Forum Expanded. Na comemoração do aniversário do Forum berlinense, “Muito Romântico” (2016), de Melissa Dullius e Gustavo Jahn, terá novas exibições.

Nesta sexta-feira (14), a Berlinale viaja até a década de 1960 nos acordes de Bob Dylan em sua cinebiografia, “Um Completo Desconhecido”, de James Mangold, que concorre a oito Oscars, e chega à Alemanha em exibição fora de concurso, apoiado em seu prestígio nos EUA.

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