CINEMA
‘De longe toda serra é azul’, de Neto Borges, foi selecionado pelo Inffinito Brazilian Film Festival
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 04/08/2023 às 14:24
Distribuído pela Elo Studios, “De longe toda serra é azul”, de Neto Borges, acompanha a trajetória do indigenista Fernando Schiavini, que revisita lugares e aldeias por onde passou na década de 70. A história do indigenismo brasileiro é narrada por quem a viveu e ajudou a escrevê-la a partir da linguagem da solidariedade. O diretor também assina como produtor, ao lado de Renato Barbieri.
O Inffinito Brazilian Film Festival acontece de 30 de agosto a 30 de setembro, de forma presencial, em Miami e Nova York, e também online. Pela internet, haverá acesso aos títulos concorrentes. Quem estiver nas cidades durante o período, poderá assistir a sessões de cinema, apresentações e shows ao ar livre.
Serão exibidos cerca de 80 filmes em oito salas virtuais, com mostra de longas e curtas-metragens, documentários, indígena, LGBTQIAP+, de animação, além de lives sobre o mercado audiovisual brasileiro e uma homenagem à diretora Tetê Moraes.
A noite de premiação acontecerá dia 16 de setembro, no New World Center Soundscape Park, Miami Beach, onde serão anunciados os filmes vencedores, com a entrega da Lente de Cristal.
A Elo Studios é uma empresa audiovisual que desenvolve, produz e comercializa narrativas brasileiras em múltiplas plataformas e países. Especializada em inovação e entretenimento de impacto, desde 2005 distribuiu mais de 500 títulos em mais de 100 países.
Um dos destaques entre seus lançamentos está “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos, maior sucesso nacional do ano, em número de semanas em cartaz e segundo em público.
Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Borges falou sobre a origem do filme, o significado e importância de ter sido selecionado para um dos festivais mais importantes do cinema brasileiro no exterior, e antecipou detalhes do próximo projeto que está realizando.
JORNAL DO BRASIL - O que representa ter “De longe toda serra é azul”, selecionado para o Inffinito Brazilian Film Festival, sem dúvida um dos eventos mais importantes da cultura brasileira no exterior?
NETO BORGES - Estamos com muito entusiasmo e expectativa para apresentar o filme em um festival internacional como o Inffinito. Esta será a primeira exibição do documentário. O festival chega como uma grande oportunidade, permitindo a visibilidade de parte do processo histórico estrutural do Brasil. O filme revela a relação do indigenismo governamental com os indígenas em plena ditadura militar, quando a Funai abre concurso para atuar diretamente nas frentes de expansão desenvolvimentista. O sonho desses jovens indigenistas era fazer uma real aliança com esses povos, uma ação contrária da pretendida pelo governo, e conseguiram, fizeram a diferença por onde passaram. Trata-se de um tema que está à flor da pele na política nacional e sensível aos olhos e ouvidos do mundo.
Há muitas motivações para fazermos algo. Mas qual foi a principal que o levou a decidir fazer o filme?
Sempre trabalhei com temáticas vividas no Brasil profundo. Particularmente no “De longe toda serra é azul" a maior motivação foi a minha relação próxima com o Fernando Schiavini, e também o fato de existirem poucos filmes sobre o indigenismo. Estive várias vezes em aldeias krahô com o Fernando e presenciei a escrita do livro no qual o filme é inspirado — não poderia deixar de recomendar a leitura, uma história de vida fantástica irrigada principalmente pela observação e vivências nas aldeias e as relações tensas com a Funai. Certa noite em Brasília sonhei que sugeria para Fernando de fazermos o filme. No outro dia, fui até ele na Aldeia Multiétnica (Chapada dos Veadeiros), propus e ele aceitou. O encantamento com este universo vem de tudo isso, das vivências diretamente com ele e com outras populações indígenas com as quais também já realizei outros filmes.
A realização do filme eterniza nas telas muito da história do indigenismo brasileiro, principalmente do indigenista Fernando Schavini se constituindo em um legado para as futuras gerações. Havia também essa ideia de continuidade, de memória, de preservação?
A geração de indigenistas governamentais a qual o Fernando representa, muitos ainda vivos, contribuiu para o que há de "melhor" desta perversa relação de contato do colonizador com as populações originárias do Brasil. Eles se consolidaram como verdadeiros aliados dos povos indígenas, com os quais passaram a lutar pela liberdade, respeito, reconhecimento étnico e autodeterminação.
A história oficial não costuma citar esses heróis recentes. Grandes personalidades como Marechal Rondon, Darcy Ribeiro e Irmãos Villas Boas, por exemplo, já têm o seu reconhecimento, mas a geração logo depois deles, não. Existe uma quantidade significativa de homens e mulheres indigenistas que deram suas vidas pela causa indígena e junto com grandes lideranças como Cacique Raoni, deputado Mário Juruna e Marçal Tupã-i construíram um legado que vemos atualmente sendo representado por Sonia Guajajara, Joênia Wapixana, Alessandra Munduruku e tantos outros. Eternizá-los através do cinema nos ajuda a construir uma consciência mais apurada e ampla do nosso processo histórico.
O trabalho destes indigenistas é de base, de atuação diretamente nas aldeias, e não em universidades ou gabinetes institucionais. Muitos deles foram considerados subversivos, foram cassados e expulsos da Funai. Fernando chegou a ter 18 processos administrativos pela sua atuação em defesa dos direitos dos povos indígenas. Tudo isso seriam motivos de sobra para ficarem de fora da história oficial do Brasil.
Tem algum projeto novo em mente?
Estamos trabalhando na continuidade do projeto “Ventos que sopram Maranhão" e "Ventos que sopram Pará”, telefilmes musicais produzidos pela Olho Filmes e a Gaya Filmes, em parceria com o diretor Renato Barbieri, com boas perspectivas para mostrarmos a diversidade de autores-compositores, artistas e mestres da cultura do estado do Tocantins. Paralelamente estamos trabalhando num novo longa-metragem sobre a temática indígena, com roteiro e pesquisa já realizados, chamado “O último caçador”, em fase de captação de recursos.