CINEMA
‘La Parle’, produção franco-brasileira, estreia nos cinemas dia 29
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 26/06/2023 às 20:15
A diretora Gabriela Boeri Sofia Terçarolli
A cineasta brasileira Gabriela Boeri é uma das diretoras de ‘La Parle’, que estreia nos cinemas esta semana. Gabriela foi também a única brasileira na residência artística Les Ateliers du Cinéma – promovida pelo diretor francês Claude Lelouch – que aconteceu ao longo de um ano em Beaune (França). Lá ela conheceu Fanny Boldini, Kevin Vanstaen e Simon Boulier. Juntos, eles fizeram o longa-metragem “La Parle”.
Formada em Comunicação Social, com habilitação em Cinema, pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Gabriela dirigiu em 2017 o curta-metragem “Dois”. Naquele mesmo ano, foi selecionada para integrar a residência.
Em entrevista ao Jornal do Brasil, Gabriela falou sobre a experiência na residência, o que a motivou a participar de “La Parle”, e sobre novos projetos.
JORNAL DO BRASIL - Inicialmente, fale por favor um pouco sobre essa experiência de ser a única brasileira na residência artística Les Ateliers du Cinéma, promovida pelo cineasta Claude Lelouch.
GABRIELA BOERI - Fui muito bem recebida, desde a entrevista do processo seletivo, para entrar na residência. Ele tem uma relação muito bonita com o Brasil por conta do Pierre Barouh, que tinha uma relação profunda com a música brasileira. Tenho certeza que isso abriu caminhos pra minha vivência e também para o processo de criar uma relação de troca com o Lelouch. Mesmo assim, foi muito desafiador, porque além de ser a única brasileira, eu era uma das poucas estrangeiras. O maior desafio no começo foi a barreira da língua. Apesar de falar francês, logo entrei num ambiente criativo e tive que defender minhas ideias, roteiros e projetos em francês. Quando Lelouch falou que seria interessante a gente ter a experiência de atuar, pois isso seria fundamental pra gente entender nosso papel na direção, nunca imaginei que conseguiria fazer isso em francês.
Falando agora de “La Parle”, qual foi a principal motivação que a levou a participar do filme?
A residência do Lelouch é um lugar único. Um espaço muito livre e aberto para experimentações. A oportunidade de conviver com ele e de acompanhar seus processos criativos de perto nos inspirou a querer fazer um filme como o “La Parle”. Ele nos encorajou a aproveitar aquele espaço e aquele tempo para realizar projetos que talvez não fossem possíveis fora do contexto de uma residência artística. Arriscar, escrever e reescrever as cenas, entender na pele quais são as dificuldades de estar na frente da câmera, dançar com ela e investigar o celular como linguagem. O fato do projeto ser tão coletivo também foi uma grande motivação pra mim, e isso também só foi possível por conta do ambiente e da convivência no atelier.
Poderia falar um pouco mais sobre o filme? A origem, a escolha do Iphone como ferramenta para a realização, a filmagem, os desafios, inclusive por causa da pandemia... enfim, o que você achar importante dizer mais sobre ele.
A Fanny, o Kevin e o Simon, meus colegas também realizadores do filme, eram da turma anterior. A Fanny e o Simon continuaram morando em Beaune, e o Kevin vinha quando tinha algum evento da residência. Convivíamos nessas ocasiões promovidas pelo atelier, mas foi durante a pré-produção do filme do Lelouch que nos aproximamos. Todos nós fazíamos parte da equipe, cada um com uma função diferente. No dia do teste de câmera, o Lelouch resolveu projetar no cinema da residência uma mesma cena filmada com câmeras diferentes, dentre elas a câmera do Iphone. Ele, que já filmou com todas as câmeras do mundo, comentou que não queria que a câmera do celular fosse manipulada até parecer uma câmera de cinema. Ele estava interessado nessa textura diferente e na emoção que ela gera. Quase todos os aprendizes já tinham ido embora da sala, só eu, a Fanny, Kevin e o Simon ficamos até o final da discussão. O Lelouch nos questionou dizendo que ficava informado que a gente tinha uma câmera no bolso e isso não era o suficiente pra gente se inquietar. Ao invés de pegar a câmera na mão para experimentar, ficamos sentados nela e, de alguma forma, acomodados com a sua presença diária em nossas vidas. Saímos de lá muito impactados por essa conversa. A textura das imagens filmadas com o celular é a emoção do nosso tempo. Aquilo que vemos como defeito também faz parte dessa linguagem. Como podemos incorporar isso numa narrativa onde o público possa se identificar de forma íntima e direta? Fomos jantar e tomar um vinho no restaurante do atelier. Estávamos muito intrigados e ficamos até tarde na residência conversando. Naquela noite decidimos que íamos fazer um filme juntos.
A curiosidade mais interessante do processo de filmar com o Iphone, considerando que a nossa equipe era muito enxuta, é que em muitos momentos as pessoas que estavam no nosso entorno não percebem que estamos fazendo um filme. Como estão todos, o tempo todo, com seus celulares, a gente passava despercebido. Isso contribuiu para o tom documental da narrativa. Tivemos que nos adaptar às limitações técnicas do equipamento e com o tempo fomos aprendendo a aproveitar melhor dos seus benefícios. Sinto que redescobrimos essa câmera que nos acompanha diariamente. Além disso, a economia de filmar com os nossos celulares fez com que o processo pudesse ser muito mais experimental. Tínhamos a liberdade de filmar a qualquer momento. Fizemos três sessões de filmagem, cada uma delas de aproximadamente uma semana. Entre elas íamos montando o filme e reescrevendo o roteiro. Somente a última sessão aconteceu durante a pandemia.
O filme tem previsão de lançamento aqui no dia 29. Qual sua expectativa quanto à receptividade dos espectadores brasileiros?
Quando o filme se tornou uma coprodução com o Brasil, fiquei muito curiosa pra entender como seria essa colaboração entre os dois países. Ao longo do trabalho o filme se tornou muito brasileiro. e hoje eu não me sinto mais uma estrangeira no projeto. Sinto que conseguimos criar essa ponte entre o Brasil e a França, e o tom intimista da narrativa foi um fator que contribuiu para isso. Assim como a equipe foi chegando aos poucos, imagino que isso também vai acontecer com o público. Esse é um filme de boca a boca, e cada um que sair tocado da sala pode levar mais um espectador pra próxima sessão. Tenho também uma expectativa em relação ao público de estudantes de cinema. Quero muito compartilhar a vivência da residência com essa geração.
Sei que você trabalhou por aqui também. Fale, por favor, sobre a diferença da filmagem aí e aqui, as facilidades, as dificuldades, principalmente as surgidas no período da pandemia.
O “La Parle” é uma coprodução entre a França e o Brasil, então tive uma experiência muito interessante por poder transitar entre essas duas realidades. Ele foi inteiramente filmado num país que valoriza muito o cinema, e que entende a importância da cultura para construção de qualquer nação. Filmar nesse ambiente me fez sentir uma liberdade criativa que eu nunca tinha experimentado antes. Apesar de todo o amparo que existe na França, esse projeto foi feito com poucos recursos, e isso também foi libertador. Vi que é possível fazer mais com menos e tive a experiência de trabalhar de forma muito colaborativa. Acho que essa é uma vivência bem específica por conta da natureza do próprio projeto.
Durante esse período o Brasil sofreu ataques e cortes de um governo que não só não valorizava a cultura, como tinha um projeto que inviabilizava o nascimento de novos talentos. Se a indústria toda sofreu, imagina quem está começando. O “La Parle” é meu primeiro longa-metragem e eu tenho muito orgulho da sua trajetória - de luta - para poder ser finalizado e lançado comercialmente no Brasil. O encontro com os produtores brasileiros, Fernando Sapelli e Carolina Heller, faz o projeto crescer muito. Mesmo nesse cenário tão difícil, eles encontraram um caminho para que o filme pudesse ser também brasileiro. Tivemos muitos parceiros que acreditaram no projeto. A montadora, Alice Furtado, nos ajudou a encontrar a essência da história, e os compositores da trilha sonora, Charles Tixier e Arthur Decloedt, criaram uma trilha original que dita o tom desse entrelaçamento de emoções tão particular. Acredito que coproduções potencializam muito os projetos, e o “La Parle” não seria o que ele é se não fosse também um filme brasileiro.
E os planos, como estão? Algum novo projeto em mente?
O “La Parle” me abriu muitas portas, e depois da estreia na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo novos projetos surgiram. Estou de volta no Brasil, muito feliz com essas oportunidades. Nesse momento, estou em desenvolvimento de um projeto de documentário, e também estou escrevendo um novo projeto de longa-metragem de ficção, ambos serão divulgados em breve. Além disso, no começo de agosto vou lançar o primeiro clipe da cantora e compositora Nina Maia.