CINEMA
Reparando uma lacuna na história
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 10/05/2023 às 14:06
Alterado em 10/05/2023 às 20:55
Diretor Dannon Lacerda Foto: Oseias Barbosa
A ideia de levar o tema para as telas tem o objetivo de trazer o olhar da imperatriz e suas ações políticas no Brasil colônia.
O filme procura reparar uma lacuna na história da Independência do Brasil, trazendo à tona o papel fundamental nessa luta que Maria Leopoldina da Áustria – a Imperatriz Leopoldina – teve no episódio.
Lacerda defende a tese de que “sem ela como imperatriz, o destino do nosso país poderia ser outro”, acrescentando que o que mais lhe despertou a atenção foi sua cultura, resiliência e proposições no processo.
Usando os relatos históricos como base, o diretor optou por um caminho diferente quando falamos de produções de época. Aqui, os acontecimentos reais são apenas o ponto de partida de uma ficção.
A história começa com a chegada dela ao Brasil, em 1817, e termina com sua morte, em 1826. Entretanto, essa linha temporal é apenas uma trilha e não um trilho, uma vez que estamos falando de uma obra ficcional. “Em essência, não se trata de um filme biográfico, em essência”, enfatiza o diretor.
O roteiro surgiu após Lacerda assistir ao premiado espetáculo “Leopoldina – Independência ou Morte”, do diretor e dramaturgo Marcos Damigo, que o auxiliou com uma consultoria, analisando o texto a partir de uma perspectiva histórica e social.
Apaixonado pelo tema, sua carreira está recheada de filmes de época, como “Cabaré das donzelas inocentes”, baseado no livro de Sérgio Maggio, e “Em nome da pátria”, que aborda a “Guerra da Tríplice Aliança”, mais conhecida como a Guerra do Paraguai, realizado a partir da história de sua avó, que foi aprisionada com os filhos no conflito.
O projeto “Leopoldina” tem apoio do Governo do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (RJ).
Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Lacerda revelou a motivação para realizar o filme, o viés adotado para a narrativa e as razões de serem ainda pequenas as produções cinematográficas no seu Estado.
Jornal do Brasil - Qual a principal motivação para realizar um filme revisitando a história de Leopoldina?
Dannon Lacerda - A minha principal motivação para escrever o roteiro foi a possibilidade de mergulhar, mais uma vez, na história de uma mulher muito importante na História do Brasil, às vezes esquecida e negligenciada porque a nossa história quase sempre foi contada por homens, brancos e héteros. Como fui criado por cinco mulheres guerreiras, meu olhar sempre foi direcionado para esse foco, essa sensibilidade que realizava quase tudo de forma silenciosa, mas que era fundamental em todos os processos.
Embora utilizando relatórios históricos como base, por que optou por um caminho diferente usando os acontecimentos reais apenas como ponto de partida de uma ficção?
Penso que muitas pessoas iriam propor esse viés mais fidedigno aos fatos históricos. Assim, buscando um ponto de vista próprio, pensei que seria mais interessante naquele momento realizar um mergulho, uma abstração, no que seriam as dores e os amores dessa mulher europeia, tão diferente do nosso Brasil, mas que aprendeu a amar nosso futuro País de uma maneira muito honesta e particular. Sou apaixonado pelo estudo da história, mas optei por escrever um roteiro de ficção para tentar, de alguma maneira, recriar sensações que não estão registradas em livros ou relatos.
Recentemente, Laís Bodanzky realizou “A viagem de Pedro”, e uma das coisas que disse na entrevista que deu para o JB é que não queria “fazer uma biografia, mas um filme que penetrasse no mundo interior de Pedro”. Como parece ser sua intenção de tentar abordar o que se passava efetivamente dentro dela. Fale um pouco mais sobre isso.
Meu sentimento também foi parecido. Não queria limitar-me a uma biografia, afinal, já existem algumas obras que fazem isso muito bem. Penso que qualquer obra - roteiro, filme, etc. - é sempre um ponto de vista sobre algo ou alguém, mesmo que baseado em fatos reais. Porém, queria ir além desse compromisso e pensar esse mundo interior de uma jovem que viveu um turbilhão de coisas em uma década. O que ela sentia, mas não falava? Daí surgiu a ideia de criar uma amiga imaginária, Luísa, como dispositivo. É com ela que Leopoldina desabafa e revela suas facetas mais íntimas.
Mato Grosso do Sul propicia a abordagem de muitos temas no cinema, mas a produção cinematográfica ainda é pequena no estado em vários assuntos como, por exemplo, a causa indígena, e numa região que possui a segunda maior população indígena do Brasil. Quais as causas você acha que determinam isso?
Meu estado tem uma tradição agropecuária que se intensificou nas últimas décadas, apesar do alto potencial turístico. É um estado que se originou da divisão do Mato Grosso há mais de três décadas, porém essa identidade ainda não se firmou plenamente. Assim, nasce essa tentativa de ser monotemático em suas produções a partir de interesses econômicos e do marketing, ignorando a diversidade de um lugar que é muito rico culturalmente por fazer fronteira com dois países (Paraguai e Bolívia) e divisa com cinco estados. Nossa cultura é multifacetada, e isso é um ponto forte. Por exemplo, o meu sotaque, minhas influências gastronômicas e musicais são muito mais próximos da cultura paraguaia porque nasci em região fronteiriça, o que é bem diferente das regiões próximas de SP.
Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do Brasil, porém as suas pautas ainda são invisibilizadas por preconceitos estruturais. Na maioria dos livros que falam sobre a história do sul da então Província de Mato Grosso tratam paulistas, mineiros e gaúchos como os pioneiros na região, porém, todos sabemos (ou deveríamos saber) que pioneiros são indígenas que habitam essas paragens desde séculos antes desse movimento "colonizador". Porém, a questão da posse de terras, entre outras causas, acaba criando narrativas equivocadas e monotemáticas. Somos muito mais do que um estado do agronegócio.
Não somos apenas um estado do agronegócio. Reconheço, claro, a importância econômica da atividade, mas penso que nas artes temos o compromisso ético de abraçar temas e pautas de grupos minoritários. No caso do cinema, entendo que haverá um aumento da produção local devido à criação de uma graduação da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), além de outras iniciativas.
Os governos locais poderiam criar editais de fomento específicos para o audiovisual, como ocorre em Pernambuco, por exemplo, pois além da formação, é preciso de investimentos financeiros. No início do próximo mês estarei organizando a criação de um coletivo, uma pequena confraria de artistas sul-mato-grossenses que desejam ampliar olhares e investigar linguagens e temáticas para o nosso audiovisual.