CINEMA
‘Infantaria’, de Laís Santos Araújo, é escolhido para a Berlinale 2023
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 02/02/2023 às 11:38
Alterado em 02/02/2023 às 19:50
A cineasta Lais Araujo Foto: Vitor Carvalho/divulgação
O filme “Infantaria” integra a Mostra Geração, cuja temática privilegia obras focadas em adolescentes. O Festival de Berlim, que está na sua 73ª edição, acontece de 16 a 26 de fevereiro.
“Infantaria” segue a menina Joana, que ainda brinca como uma criança, mas está ansiosa para ser uma jovem adulta. Sua irmã Verbena está grávida e quer interromper a gestação. O irmão, por sua vez, sofre por não ter o pai presente e busca incessantemente a atenção da mãe Ludmilla.
A talentosa diretora utiliza a fantasia infantil para construir a estética do filme. E embora não seja mostrada de forma explícita, fica visível, para os espectadores, a presença da violência na trama.
Na sua curta duração de 23 minutos – e transmitindo emoção na medida certa –, o filme é profundo ao abordar temas como gênero, aborto, ausência paterna e a diferente realidade das duas jovens: Joana, de 10 anos, ansiosa por crescer, e Verbena, com apenas 16, precisando repentinamente assumir compromissos de adultos.
A cineasta, nascida em Maceió (AL), teve seu primeiro roteiro de longa-metragem, “Marina”, selecionado pelo fundo Hubert Bals, uma iniciativa do Festival Internacional de Cinema de Roterdã, na Holanda. Dirigiu o curta-metragem “Como ficamos da mesma altura” (2019) e fez o roteiro de “Ainda te amo demais” (2020), dirigido por Flavia Correia.
Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, ela falou do significado de ter seu filme concorrendo no Festival de Berlim, a inspiração para realizá-lo, sua expectativa de trazer para o Brasil o Urso de Cristal (troféu da Mostra Geração), e também sobre novos projetos.
JORNAL DO BRASIL - Como recebeu a notícia que seu filme concorreria na prestigiada Mostra Geração de um evento tão grandioso como o Festival de Berlim?
LAÍS SANTOS ARAÚJO - Estávamos na expectativa de ter uma estreia internacional legal, pois “Infantaria” recebeu bons retornos de programadores e festivais, e aí foi uma alegria muito grande quando a notícia chegou. Foi no começo do processo e – claro – não podíamos compartilhar até o anúncio oficial. Ficamos felizes demais, e a notícia também animou muita gente da cena artística de Alagoas, porque é muito bom se ver representado em um festival com essa dimensão. Agora estou nos preparativos para vivenciar a Berlinale e ver como será a recepção do filme por lá.
Fale, por favor, um pouco mais sobre o filme. A inspiração para realizá-lo, o que motivou a temática abordando assuntos tão sensíveis e atuais para a sociedade, até um pouco polêmicos... E o que mais você julgar que é importante dizer.
Eu também estava com um desejo muito grande de criar um filme em que a construção de cada imagem me interessasse. O “Infantaria” foi filmado no fim da pandemia, numa época em que eu estava assistindo a muita coisa o tempo todo, mas tendo dificuldade de recontar depois o que eu tinha assistido, porque tudo virava uma coisa só. E aí ficou muito claro pra mim que quando uma imagem me marcava, quando ela tinha um sentido forte, ela ficava comigo. Então, pra esse filme, eu quis criar imagens que, de algum modo, sobrevivessem na memória. Também tinha muita vontade de trabalhar com um elenco infantil e adolescente em histórias que olhem com atenção a essa fase da vida, e de misturar elementos violentos com outros inocentes, misturar realismo com onirismo... Acho que a inspiração vem daí, da mistura desses desejos todos, e de minhas observações sobre o que está ao meu redor.
Além disso, a falta de um bom diálogo público sobre aborto no Brasil é algo muito tolo e nocivo, e isso me incomoda desde a adolescência. Quando trabalhei como jornalista, fiz uma matéria especial e entrevistei muita gente ligada ao tema, além de ter pesquisado bastante a dinâmica e os entraves do procedimento. Daí, entre as primeiras coisas que escrevi para cinema, estava um filme de estrada que terminava com a realização de um aborto. Este nunca foi gravado, mas a ideia ficou guardada e, alguns anos depois, percebi que outra história que havia escrito sobre menstruação poderia ser misturada com aquela minha ideia inicial. Então reescrevi o filme do zero e com outros olhos, mas mantendo os elementos que mais gostava em cada um. Virou o “Infantaria”.
“Infantaria” já ganhou muitos prêmios – entre outros, melhor direção no Cine Ceará, inúmeros na Mostra Sururu (principal janela do cinema alagoano) – mas detalhe um pouco o que representará receber o Urso de Cristal em Berlim, um dos festivais de cinema mais importantes do mundo. E não só o significado dessa premiação para o filme, mas também para você, para sua carreira como diretora e ainda para o Cinema Brasileiro.
Olha, realmente não consigo dimensionar ainda o que significaria uma premiação na Berlinale, mas posso falar que a entrada no festival já foi incrível por si só, pois desde o anúncio novas portas se abriram. Acredito que a participação do filme também acende uma curiosidade sobre o cinema alagoano, o que é muito bom para a cena local, e - já que o filme é fruto da Lei Aldir Blanc -, também mostra a importância dos incentivos públicos para a cultura brasileira. Imagine se Alagoas e outros estados brasileiros tivessem uma política anual de editais para o cinema? É preciso olhar bons exemplos disso, como o caso do Funcultura em Pernambuco, e implantar incentivos semelhantes para que os agentes culturais possam crescer e produzir.
Falando em carreira e até lembrando outros trabalhos anteriores seus, qual o próximo passo? Já há algum novo projeto em mente?
Em breve vamos entrar na pré-produção do primeiro longa que escrevi, Marina. É um longa-metragem que tem sido construído há muito tempo, desde 2016, já passou por laboratórios e teve uma boa abertura por aí, como o prêmio de desenvolvimento do Hubert Bals Fund e financiamento via FSA. É protagonizado por uma adolescente prestes a fazer 15 anos, que na medida que experimenta a vida, experimenta também a violência do lugar onde vive, Maceió. Além dele, o longa-metragem de “Infantaria” está em fase de financiamento.