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Musical existencialista português disputa elogios no Festival de Marrakech

Divulgação -
Miguel Lobo Antunes em Technoboss
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Portugal viveu um 2019 de glórias nos maiores festivais de cinema do mundo, chegando a brigar pelo Leão de Ouro de Veneza, com "A Herdade", também exibido em Toronto. Mas, agora, o ano chega ao fim, e, na cena das grandes mostras globais do audiovisual, Marrakech chega para encerrar o circuito de competições e sessões hors-concours. E, nele, tem um cult luso: um musical existencialista de nome “Technoboss”. Trata-se de um filme cantado, nas raias do deboche moral. Um escárnio contra a inércia dos dias. Ele veio do Festival de Locarno diretamente para a grade do evento do Marrocos, iniciado nesta sexta, com fôlego para se tornar o evento mais badalado do setor na África. Sua projeção por aqui será na noite deste sábado. Calcado no carisma de um ator não profissional como protagonista (o advogado e dublê de galã maduro Miguel Lobo Antunes) e num inusitado misto de ironia e leveza, esta comédia canora foi um dos títulos mais controversos do DocLisboa, em seu Portugal de berço, e na Mostra de SP. Se no nietzschiano "John From", o diretor João Nicolau mapeava a primavera de uma vida (a mocidade), aqui ele se concentra no outono do viver, mas sem o peso do tempo. É uma mistura de "Harry and Tonto" com Jacques Tati. Irmão do escritor António Lobo Antunes, Miguel vive (sem qualquer experiência de atuação prévia) Luís Rovisco, mais antigo representante de uma firma de câmeras de segurança, monitores e sensores de cancelas. O dia a dia da SegurVale - Sistemas Integrados de Controle de Circulação é sua vida há três décadas. Só que sua reforma está para chegar. Na trama editada por Nicolau em parceria com o cineasta italiano Alessandro Comodin, vemos uma jornada do Sr. Rovisco para se manter na euforia, mesmo com a crônica da morte de sua vida profissional já anunciada. Um neto cheio de alegria e um gato, Napoleão, serão seus companheiros num périplo por hotéis e firmas, sempre regado a músicas que desafiam o realismo... mas nem tanto.

Macaque in the trees
Miguel Lobo Antunes em Technoboss (Foto: Divulgação)

“Tenho um carinho pela velhice e pela força criativa que ela carrega, como resistência”, disse João Nicolau ao JORNAL DO BRASIL, em Locarno. “Não há vontade metafórica em representar o que se passa em Portugal, como um eco de crises. Existe sim uma percepção do Real, com todas as suas incongruências, mas a vontade aqui é outra, numa relação de atração e repúdio ao musical clássico. Luís Rovisco vai entrar na reforma. Mas eu não desejo representar sua velhice... a velhice... com comiseração. Não há, nele, uma diferença entre erro e acerto, pois ele está bem consigo mesmo. É libertador”.

Primo (sabe-se lá de que grau) do músico e compositor Edu Lobo, Miguel, que vive Rovisco, jamais atuou antes, tendo atraído o olhar de Nicolau ao dançar em uma festa. Mas quem vê seu desempenho, pautado pela leveza, em cena, duvida disso. “Meu único objetivo no set era deixar o João feliz, agradá-lo... mantendo a esperança de que possa deixar os espectadores satisfeitos também”, disse Miguel ao P de Pop ao fim da projeção de “Technoboss” a uma sorridente imprensa. “Pra uma pessoa que nunca fez nada no cinema antes, estrelar um filme inteiro é algo que só se faz às custas de muito trabalho. Ensaiei com Nicolau de junho a agosto do ano passado e tive umas aulas de canto”.

Este ano, o júri de Marrakech contará com o diretor Kleber Mendonça Filho e com as diretoras Rebecca Zlotowski (francesa) e Andrea Arnold (inglesa); a atriz franco-italiana Chiara Mastroianni; o ator sueco Mikael Persbrandt; o escritor e diretor afegão Atiq Rahimi; o realizador australiano David Michôd; e o cineasta marroquino Ali Essafi. Em competição estão: “Dente de leite” (“Babyteeth”, Austrália), de Shannon Murphy; “Bombay Rose” (Índia), de Gitanjali Rao; “A febre” (Brasil), de Maya Da-Rin; “Last visit” (Arábia Saudita), de Abdulmohsen Aldhabaan; “Lynn + Lucy” (Reino Unido), de Fyzal Boulifa; “Mamonga” (Sérvia, Bósnia Herzegovina, Montenegro), de Stefan Malesevic; “Mickey and the Bear” (EUA), de Annabelle Attanasio; “Mosaic Portrait” (China), de Zhai Yixiang; “Nafi’s father” (Senegal), de Mamadou Dia; “Scattered night” (Coreia do Sul), de Lee Joh-young; “Sole” (Itália, Polônia), de Carlo Sironi); “Tlamess” (Tunísia), de Ala Eddine Slim; “The unknown saint” (Marrocos), de Alaa Eddine Aljem; e “Tantas almas” (Colômbia, Brasil), de Nicolás Rincón Gille.

*Especial para o JB