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Morre o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, aos 83 anos

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O cineasta José Mojica Marins, autor de mais de 40 filmes parte deles com seu personagem Zé do Caixão, morreu na tarde desta quarta (19) de broncopneumonia.

Sua morte foi confirmada pela sua filha Liz Marins à reportagem.

Mojica, como era chamado pelos fãs, tinha 83 anos e estava internado há cerca de 20 dias no hospital Santa Maggiore, desde que contraiu uma infecção que evoluiu para uma pneumonia. No período, ele chegou a ser entubado e teve os tubos retirados após apresentar melhora, mas sua situação voltou a piorar na terça. “Meu pai estava muito fraco desde o começo do ano”, disse seu filho Crounel Marins, que estava com a família em Orlando, nos EUA, e se preparava para voltar para o velório.

Desde 2014, quando sofreu um enfarte, Mojica teve problemas de saúde crescentes. Com o rim comprometido, passou a fazer diálise três vezes por semana, depois duas. Mas o cateter fixo colocado para o procedimento era constante fonte de infecções, com a que ocorreu no mês passado.

Nos últimos anos, Mojica deixou de aparecer em público devido à fraqueza e a uma degeneração mental ocasionada pela velhice. “Não era alzheimer, mas um problema de idade. Ele sempre fumou muito, bebeu, teve alimentação ruim e não fazia exercícios”, disse seu filho.

Nascido numa sexta-feira, em 13 de março de 1936, Mojica aprendeu a fazer cinema de forma autodidata. Seu pai, que gerenciava um cinema na Vila Anastácio, zona oeste de São Paulo, lhe deu uma câmera de aniversário e o jovem José fez uma série de curtas com os garotos do bairro. Seu primeiro estúdio, na virada dos anos 1940 para os anos 1950, foi em um galinheiro improvisado.

Em 1958, conseguiu realizar seu primeiro longa-metragem, o faroeste caboclo “A Sina do Aventureiro”. Seu sistema de produção era o mesmo da adolescência: atores, técnicos e produtores de primeira viagem, improvisados, que pagavam para participar do filme por meio de cotas e, assim, financiavam a obra. Mojica dava aulas de filmagem e de interpretação, espalhando pelo estúdio fotos de si mesmo demonstrando emoções como “triste”, “feliz”, “louco” ou “usurário”.

Seu segundo longa, de 1962, também não aconteceu comercialmente. Até que, no ano seguinte, Mojica teve um pesadelo que mudaria sua vida e o cinema nacional de terror. Sonhou que um espírito o arrancava da cama e o levava a um cemitério, onde apontava seu túmulo, com seu nome, a data de nascimento e a de morte.

Mojica dizia que, no sonho, fechou os olhos para não saber quando iria morrer, e acordou molhado de suor. Naquela mesma manhã, ditou para uma de suas alunas o roteiro de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, com a história de um coveiro do interior que desprezava as pessoas de fé, comia carne na sexta-feira santa e aterrorizava a cidade em busca de uma mulher que lhe gerasse um filho perfeito. Nascia Zé do Caixão, o primeiro personagem de terror do cinema brasileiro.

Surgido em um pesadelo do cineasta, ele era um agente funerário sádico que aterrorizava uma pequena cidade, desejoso de ser pai de uma criança perfeita. Para isso, precisava encontrar uma mulher tão perfeita quanto —e estava disposto a matar quem cruzasse o seu caminho.

O personagem apareceu pela primeira vez em 1964, em “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”. O longa foi um sucesso de bilheteria, e permitiu não só que o diretor pagasse dívidas pessoais como o tornasse um dos mais nomes mais conhecidos da Boca do Lixo.

O filme teve uma produção difícil. Os pais de Mojica venderam o carro e móveis, o diretor vendeu tudo o que tinha, mas conseguiu contratar uma equipe por 19 dias. Os membros profissionais da equipe, que já haviam trabalhado com outros diretores, ridicularizavam Mojica e seu personagem de cartola e unhas grandes.

Faltava equipamento e as luzes estouravam uma a uma. “Se tivesse que filmar com duas luzes, seria com duas. Se tivesse só uma, eu faria. E se fosse apenas luz normal, eu filmaria com luz normal”, lembrou quarenta anos depois a este repórter. Após a filmagem, Mojica contava que tomou o primeiro porre de sua vida, hábito que o acompanharia por décadas.

Na penúria em que se encontrava, Mojica vendeu a um de seus atores todos os direitos da obra praticamente pelo preço de custo. Foi a primeira de uma série de erros financeiros que também o acompanhariam por toda a vida: o filme foi um sucesso estrondoso, com filas virando o quarteirão no centro de São Paulo, conforme noticiaram os jornais da época.

Dois anos depois, “À Meia-Noite” ganhou uma continuação: “Esta Noite Encarnarei seu Cadáver”.

Pouco depois, em 1968, é a vez de Mojica dirigir “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”. O filme combina três contos, sobre um fabricante de boneca cujas criações são assustadoramente humanas, um homem necrófilo, e um pesquisador que prova que o amor está morto —curiosamente, o personagem icônico não está em nenhum deles.

No mesmo ano, ele estreia uma série na TV Tupi com o mesmo nome. É uma versão de um programa da TV Bandeirantes que ele tinha estreado em 1967, em que, na pele de Zé do Caixão, punha os alunos de sua escola de interpretação para atuar em tramas assustadoras. Na Tupi, porém, o programa perde a verve realista e ganha um tom mais surrealista, onírico.

A mudança não agradou os telespectadores, conta André Barcinski na biografia de Mojica, “Maldito”.

Para tentar recuperar a audiência, Abujamra chegou a sugerir a inclusão de um poema de Pablo Neruda. Zé do Caixão não se segurou: “Poesia? Isso é coisa de viado?”. Foi demitido três meses depois. (FolhaPressSNG)