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Tom político e crítico continua nos sambas-enredos para o Carnaval 2020 no Rio

Marcelo Guedes, coordenador do Observatório do Carnaval da ESPM, faz análise sobre os sambas de 2020

Marcos Ferraz, Raphael David, Viviane Medina, Daniel Quintanilha, Richard Santos, Fernando Grilli / Riotur -
No desfile das campeãs, Mangueira emociona e exalta Marielle Franco
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Assim como tem acontecido nos últimos anos, a grande parte dos sambas-enredos das escolas vai trazer novamente em 2020 o tom político e crítico, incluindo referências ao presidente Jair Bolsonaro e ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella.

Macaque in the trees
O tom político da Mangueira neste ano voltará ano que vem em outras escolas (Foto: Marcos Ferraz, Raphael David, Viviane Medina, Daniel Quintanilha, Richard Santos, Fernando Grilli / Riotur)

O samba da Mangueira, vencedora do Carnaval deste ano, traz uma menção indireta ao presidente e seu gesto de arma na mão, e também aborda a onda de conservadorismo dos últimos tempos. Vale lembrar que a Mangueira emocionou o público na Sapucaí esse ano e foi campeã trazendo os heróis esquecidos, negros e índios, da história e a homenagem à vereadora Marielle Franco.

“A chegada de um novo grupo de carnavalescos com o perfil inovador e altamente politizado é um dos pilares para essa leva de sambas-enredos com pegada política”, diz Marcelo Guedes, coordenador do Observatório do Carnaval da ESPM Rio. “Um exemplo disso é o Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira, que pela terceira vez consecutiva cria um enredo altamente politizado”.

O humor afiado e crítico de Marcelo Adnet sai dos roteiros de TV para o samba da São Clemente. Em parceria com os compositores André Carvalho, Pedro Machado e Gustavo Albuquerque, o enredo “O Conto Do Vigário” menciona a Lava-Jato, Laranjas, o presídio de Bangu e até fake news na última eleição presidencial.

A Portela, que vai retratar a história dos índios, os primeiros habitantes do Rio, também levanta questões do universo político atual: “Índio pede paz, mas é de guerra. Nossa aldeia é sem partido ou facção. Não tem bispo, nem se curva a capitão... Pro imenso azul do céu. Nunca mais escurecer”

A questão racial, com a história do primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamin de Oliveira, está no enredo do Salgueiro. Já a Grande Rio vai abordar a intolerância religiosa com o enredo sobre o pai de santo Joãozinho da Gomeia, Mocidade e União da Ilha trazem os problemas sociais e a Tijuca problemas ambientais.

Mas o que tem levado as escolas a optarem por sambas-enredos mais politizados nos últimos anos?

“No meu ponto de vista é que houve uma conjunção de quatro grandes fatores. O primeiro é a criação de um novo grupo de carnavalescos com o perfil totalmente diferente, inovador e altamente politizado. Além disso, outro grande motivador de todo esse processo é o atual momento que vivemos. A recessão, o não acreditar na cultura e no próprio Carnaval com a importância que eles têm em relação a diversos setores sociais e econômicos, e o próprio movimento religioso que hoje reside em nossa cidade leva a busca por enredos desse tipo.

"Angústia das pessoas, a angústia do carnavalesco, do passista, aquele que desfila nas escolas de samba, apaixonados pelo Carnaval, leva e motiva a construção desses enredos que questionam o momento atual. O terceiro fator é o posicionamento de algumas escolas. Não podemos esquecer, por exemplo, que a São Clemente é uma escola que tem em sua tradição grandes enredos sobre movimentos sociais, ou seja, eu entendo que há um resgate de toda sua história. E não podemos esquecer também um quarto fator que são os próprios autores dos sambas com visões muito críticas sobre o cenário político e questões sociais e até ambientais. Acredito que será um ano extremamente interessante e talvez uma das coisas mais importantes nesse Carnaval será a questão social se sobrepondo ao dinheiro e luxo na avenida”, finaliza Guedes.