
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, um dos mais fiéis subordinados de Jair Bolsonaro (PL) no governo anterior, teria pressionado integrantes de sua pasta para que eles tentassem associar o PT a facções criminosas e o Nordeste à compra de votos, em especial a Bahia, na véspera do segundo turno das eleições do ano passado.
A ação, que visava afetar a campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de alguma forma, também ajudaria a justificar o aumento das operações policiais na região.
O caso foi revelado, nesta sexta-feira (6), a partir de uma anotação encontrada no celular da delegada da Polícia Federal (PF) Marília Ferreira, ex-secretária e braço direito de Anderson Torres no Ministério da Justiça e Segurança Pública. O documento faz parte da quebra do sigilo telemático de Marília e está em posse da CPMI do Golpe, sob sigilo.
O texto no bloco de notas, sem autoria definida, foi escrito em primeira pessoa e foi modificado pela última vez em 17 de agosto de 2023, uma semana antes da comissão aprovar as quebras de sigilos. Segundo a anotação, "havia certa pressão" de Torres para ligar o PT a grupos criminosos no Nordeste, mesmo "sem comprovação", após derrota de Bolsonaro para Lula no primeiro turno. O pedido do ministro indicava “preocupação” com a Bahia, onde Lula recebeu 72% dos votos.
“Havia uma preocupação do ministro com o Nordeste e ele falava muito na Bahia, pois havia visto no mapa com o planejamento do primeiro turno que havia muito pouca distribuição de equipes no interior da Bahia. Desde antes do primeiro turno, a DINT [Diretoria de Inteligência] recebia dezenas de vídeos e postagens de pessoas, a maioria delas fake news, sobre compra de votos e ligação do PT com facções criminosas”, diz trecho do texto encontrado no bloco de notas da delegada.
"Havia uma certa pressão para que eu fizesse um relatório que indicasse a relação do PT com facções criminosas, pois havia alguns indicativos disso, mas não fizemos porque não havia comprovação", complementa o texto.
No decorrer da mensagem, a pressão de Torres para que agentes tentassem encontrar essa ligação fica mais clara.
“Toda notícia ou informe que chegava, tentávamos fazer a confirmação, pedindo o BO [boletim de ocorrência] ou consultando o centro de inteligência respectivo”, descreve na mensagem. “Então, algo que estava arraigado ali”.
Ainda segundo o texto, teria acontecido uma reunião no Ministério da Justiça, entre o primeiro e o segundo turno, para que Marília apresentasse dados que justificassem o aumento das fiscalizações na região.
"Nessa reunião, o Márcio (diretor-geral da PF na ocasião) perguntou se havia relatório de inteligência sobre isso, eu disse que ia tentar ver se conseguimos demonstrar o incremento de crimes eleitorais para que houvesse justificativa de aumento de efetivo em relação ao segundo turno. Porém, conversei com o Tomás (supostamente Tomás Vianna, ex-coordenador de inteligência do ministério) e concluímos que não havia esse incremento, em números de registros, flagrantes etc", afirmou Marília.
Não está clara a data exata da produção do texto encontrado no aparelho. A Apple, responsável por entregar a anotação aos parlamentares, informa apenas que os dados entregues são do período entre 31 de dezembro de 2021 e 18 de agosto de 2023 e que estavam no bloco de notas da secretária
As informações contidas, no entanto, reforçam a suspeita de que o esquema policial montado pela gestão do ministro no 2º turno era político. No dia 30 de outubro, a Polícia Rodoviária Federal montou blitze de última hora em locais onde o PT havia obtido vitória eleitoral no 1º turno. A suspeita é de uso político da força policial. Marília e Torres são os principais alvos desta investigação.
Foi justamente a delegada, que ocupava o cargo de diretora de Inteligência do Ministério, quem produziu o relatório e o mapeamento que embasa a suspeita de que a operação tenha sido feita para dificultar a locomoção de eleitores de Lula. A anotação engrossa a lista de provas contra a dupla.
O ex-ministro chegou a mencionar a possibilidade de substituir o então diretor-geral da corporação, Márcio Nunes, caso Bolsonaro fosse reeleito, sob a justificativa de ter feito "corpo mole" para cumprir suas ordens no episódio em questão.
As defesas de Marília e Torres, ao jornal, disseram não ter conhecimento do texto por não terem tido acesso aos documentos citados pela publicação.