POLÍTICA
Cid sabia que joias eram ‘bens de interesse público’ e temia por estar 'tudo documentado', mostram mensagens
Por Gabriel Mansur
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Publicado em 04/09/2023 às 14:08
Alterado em 04/09/2023 às 19:57
Tenente-coronel Mauro Cid Foto: Divulgação
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sabia que as joias recebidas pelo governo eram bens de interesse público. Além disso, tinha consciência de que, mesmo se os itens fizessem parte legalmente do acervo pessoal do então presidente - o que não seria o caso, por não serem personalíssimos -, a União teria direito de preferência para a aquisição se fossem vendidas.
A "confissão", de 5 março deste ano, ocorreu no mesmo dia em que o Estadão revelou que o governo Bolsonaro tentou trazer de forma ilegal colar e brincos de diamante da Arábia Saudita. A descoberta causou alvoroço na organização criminosa montada em torno do ex-presidente.
Cid, um dos mais desesperados com o vazamento, tratou logo de compartilhar com o advogado de Bolsonaro, Fábio Wajngarten, a matéria que mostra a tentativa de entrar no País com os itens escondidos na mochila de um militar da comitiva chefiada pelo almirante Bento Albuquerque, ao que o advogado responde: "Eu nunca vi tanta gente ignorante na minha vida". Cid acrescenta: "Difícil mesmo. O pior é que está tudo documentado".
Dias depois, um novo reconhecimento de que os itens não poderiam ter sido incorporados no acervo de Bolsonaro. “Tem que devolver imediatamente. É impressionante como ninguém pensa”, escreve Wajngarten a Cid.
A conversa entre os dois continua, com desdobramentos sobre outros itens recebidos pela Presidência, mas que também não foram encaminhados ao acervo da União - o que seria o correto de acordo com a legislação brasileira. O próprio Mauro Cid demonstra ter conhecimento dessa ilegalidade, pois envia a Wajngarten uma série de mensagens sobre as determinações legais para recebimento e tratamento de presentes pela Presidência.
“São bens de interesse público. Pergunta para eles se os ben (sic) de Collor, FHC, Lula e Dilma pagaram algum imposto?”, escreve Cid, em 5 de março, a Wajngarten, que rebate: “Não é isso”.
Em seguida, o advogado explica que a ‘simples comparação’ não seria suficiente para absolver Bolsonaro no caso. “Não existe culpa ou absolvição pela comparação simples”, escreve o advogado após questionar onde estariam os itens.
Em outra mensagem, neste mesmo dia, Cid também destaca ter conhecimento de que, ainda que os itens estivessem legalmente no acervo de Bolsonaro, não poderiam ter sido vendidos nos EUA, no esquema liderado por ele e seu pai, o general Mauro Lourena Cid. Na conversa, o militar encaminha um trecho da Lei 8.394, de 30 de dezembro de 1991, com o trecho “I – em caso de venda, a União terá direito de preferência” circulado com caneta verde.
Há uma série de problemas com esse trecho, que mostrariam, segundo investigadores do caso, a ilegalidade das ações de aliados do ex-presidente. Até o momento não era de conhecimento público, mas no início de agosto a Polícia Federal apontou indícios de que Bolsonaro, Mauro Cid e outros dois assessores "atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente para posteriormente serem vendidos no exterior".
A mesma lei enviada por Cid acrescenta que itens do acervo pessoal do presidente "não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União". No entanto, a apuração da PF aponta vendas no exterior sem qualquer direito de preferência ou manifestação expressa da União.