POLÍTICA

Fotojornalista da Reuters diz que foi ameaçado por golpistas e forçado a apagar imagens do 8 de janeiro

Ele foi convocado à comissão por pressão de bolsonaristas, que acusam o profissional de imprensa de ter colaborado com extremistas como 'infiltrado'

Por Gabriel Mansur
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Publicado em 15/08/2023 às 14:38

Alterado em 15/08/2023 às 14:38

Adriano Machado, repórter fotográfico da Reuters Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O fotojornalista da agência Reuters Adriano Machado, que cobriu os ataques golpistas no dia 8 de janeiro, afirmou em depoimento à CPMI do Golpe, nesta terça-feira (15), que não conhecia os invasores do Palácio do Planalto e chegou a ter a integridade física ameaçada, além de ter sido forçado a deletar imagens de sua câmera.

O profissional declarou que, por questão de segurança devido ao clima hostil no interior do prédio, retribuiu o cumprimento de um dos invasores, como aparece em imagens captadas pelo circuito de segurança, após ter apagado algumas imagens que acabavam de ser feitas. O momento é apontado por bolsonaristas como indício de conivência do profissional de imprensa com os atos.

“Não sei dizer seu nome e quem seriam. Um deles exigiu que eu deletasse as fotos. Uma das pessoas me cumprimentou depois. Eu não poderia deixar de retribuir os cumprimentos", relatou. "Poderia levar a alguma situação perigosa para mim. O clima era hostil e instável. (...) Me cercaram e questionaram quem eu era. Uma foto não vale uma vida. Me identifiquei e só pensava em sair dali”, disse.

Adriano afirmou que, durante todo o tempo em que esteve participando da cobertura, utilizava equipamentos de segurança e identificação de repórter fotográfico.

Ele foi convocado à comissão por pressão de bolsonaristas, que acusam o profissional de imprensa de ter, supostamente, colaborado com extremistas de direita como um "infiltrado". A tese foi levantada a partir de imagens do circuito interno de segurança do Palácio do Planalto que mostraram o fotojornalista em atividade durante a depredação do prédio.

Macaque in the trees
Adriano Machato aparece ao lado dos invasores (Foto: Foto: Reprodução)

O profissional exibiu um vídeo para mostrar o momento em que um dos invasores o aborda e pede para ele apagar a foto. Na sequência, ocorre o cumprimento entre eles.

Machado afirmou que exerceu o seu trabalho de forma independente, sem viés político e de acordo com as normas profissionais previstas pela agência internacional de notícias.

“Como fotojornalista, sou treinado para lidar com situações extremas. Atuei de forma profissional. Forneci uma cobertura de forma imparcial e confiável”, disse.

Linha do tempo

O profissional disse que estava de plantão no 8 de Janeiro e acompanhou as movimentações desde o período da manhã. Ele chegou a encontrar familiares no horário do almoço e, por volta das 14h40, foi alertado por um colega de profissão sobre o rompimento do bloqueio do prédio do Planalto.

Machado disse que, por volta das 15h15, deixou o próprio carro no estacionamento do anexo do Ministério da Justiça e fotografou ações na Esplanada.

Com a identificação de fotojornalista da Reuters, Machado caminhava entre o Ministério da Justiça e o Congresso Nacional por volta das 15h30, segundo o depoimento. Nesse momento, teria notado que as pessoas haviam quebrado as grades do estacionamento do Planalto e que algumas subiam a rampa do prédio.

O profissional disse que, na sequência, aproximou-se do Planalto para capturar as ações e notou que a porta estava quebrada e que já havia pessoas lá dentro. Ele disse ter visto, por volta das 15h45, uma pessoa se dirigindo ao gabinete da Presidência da República. Dez minutos depois, mais pessoas haviam chegado à antessala do gabinete e forçaram a entrada.

“Quando eles abriram a porta de vidro da antessala, eu, como fotojornalista, acompanhei para registrar todo o acontecimento. Naquele momento, o clima era hostil e instável”, declarou.

Em seguida, o repórter fotográfico teria sido intimidado pelos manifestantes. Machado disse que apagou três fotos e que o manifestante se deu por satisfeito. Segundo o seu depoimento, cerca de 100 imagens suas foram publicadas pela Reuters.

Após o contato, Machado disse ter voltado às proximidades do gabinete para continuar com os registros fotográficos, mas relatou que recebeu xingamentos e, em determinado momento, decidiu se retirar do local. Ele ainda teria permanecido no Planalto para transmitir as imagens à agência. Depois, deixou o prédio e fotografou as ações na Praça dos Três Poderes e no Congresso.

Liberdade de imprensa

A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) afirmou que a convocação de Machado não faz o menor sentido e fez uma defesa dos profissionais de imprensa.

“Talvez a sua presença aqui nesta comissão não esteja respaldada em indícios robustos de alguma falta grave que é o objeto central dos trabalhos desta CPMI”, disse a parlamentar.

A convocação de Adriano Machado gerou forte reação de entidades ligadas ao exercício do jornalismo. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgaram notas alegando que a convocação do fotógrafo abriria um grave precedente contra a livre atuação dos profissionais de imprensa.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e o Repórteres Sem Fronteiras também criticaram a convocação. Para as entidades, a iniciativa representa “intimidação do trabalho jornalístico” e “uma tentativa de grupos extremistas de desviar o foco sobre a responsabilidade dos crimes cometidos na Praça dos Três Poderes”.

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